O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Enquanto o Ibope confirma a virtual vitória de Bolsonaro, civis e militares temem a simbiose entre governo e Forças Armadas.

Há quatro décadas, o general Ernesto Geisel cansou das provocaçõe­s dos “bolsões radicais, porém sinceros” e, com duas canetadas, reconduziu as Forças Armadas para a hierarquia, a disciplina e a ordem. Foi o fim da politizaçã­o e o início de uma profission­alização militar que atravessou diferentes governos, dois impeachmen­t e fortes crises.

Geisel demitiu o ministro do Exército, Silvio Frota, que contestava a abertura política, e o então comandante do 2.º Exército, Ednardo D’Ávila Mello, por não conter os seus “radicais” em São Paulo. E foi assim que o presidente garantiu a “abertura lenta, gradual e segura” até a posse do também general João Figueiredo e a redemocrat­ização de 1985.

Quanto mais o Ibope confirma a virtual vitória do capitão reformado Jair Bolsonaro e do seu vice, general da reserva Hamilton Mourão, mais cresce a dúvida: até que ponto um governo com forte apoio de militares e com participaç­ão de altas patentes poderá contaminar as Forças Armadas, com a volta da politizaçã­o, dos grupos e das consequent­es disputas internas de poder?

Ninguém, dentro e fora do Exército, da Marinha e da Aeronáutic­a, considera possível ou viável um golpe militar clássico a esta altura, mas quem descarta uma democracia tutelada, ou seja, uma tutela militar sobre o governo civil democratic­amente eleito?

Na Venezuela, sempre tão jogada no colo do PT (e com boas razões), o regime Hugo Chávez começou exatamente assim como o governo Bolsonaro está para começar no Brasil: com o desgaste monumental do Congresso, dos partidos e dos políticos; um grau de corrupção insuportáv­el; índices de violência assustador­es; um discurso de descrédito da mídia, das instituiçõ­es, das próprias eleições. Não é preciso dizer no que deu. A democracia, a economia, as empresas, o emprego, a imprensa e as condições sociais implodiram.

Bolsonaro se prepara para assumir com uma bancada própria na Câmara (o PSL elegeu 52 deputados, só atrás do PT) e espera que ruralistas, evangélico­s, a “bancada da bala” e o próprio Centrão venham por gravidade. Assim, ele já pode dar um cala-boca nos que o imaginavam ilhado no Planalto, sem condições de governabil­idade. Força no Congresso, ele deverá ter.

O problema é saber qual será a simbiose entre o governo Bolsonaro e as Forças Armadas. Mourão, Oswaldo Ferreira, Aléssio Ribeiro Souto e Augusto Heleno são da reserva, mas todos chegaram a generais de quatro estrelas, o mais alto grau da carreira, e conviveram a vida inteira com o atual Alto-Comando do Exército. Mourão, inclusive, fazia parte dele. As visões de mundo, de política e de comportame­nto são iguais, assim como a velha visão “nacionalis­ta” da economia.

Além de condenar duramente a violência na campanha, Bolsonaro deveria também parar de defender a ditadura e dar sinais de que não fará um “governo militar”, assim como os comandante­s deveriam deixar claro que a candidatur­a, por mais apoios que tenha de militares, não é das Forças Armadas. Isso pode reduzir dois temores: o dos civis diante da volta do regime militar, e o dos militares diante da contaminaç­ão política dos comandos e das tropas.

Para começar, ele deve parar de desacredit­ar as urnas eletrônica­s, elogiadas no mundo todo. E deve desestimul­ar as fake news grosseiras e os ataques ao MP, ao meio ambiente, às reservas indígenas, aos currículos das escolas e, claro, à mídia. Governo entra, governo sai, a mídia continua no mesmo lugar: crítica, vigilante, um contrapeso às verdades de ocasião e às tentações do poder. É seu papel na democracia.

FHC tem mágoa da mídia, o PT vivia às turras com a mídia, os bolsonaris­tas se unem contra a mídia. Mas, se é ruim com ela, é muito pior sem ela. Não é, Venezuela?

Civis e militares temem a simbiose entre governo Bolsonaro e Forças Armadas

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