O Estado de S. Paulo

Ana Carla Abrão

- E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS

Não há mais espaço para ignorar a gravidade da situação dos Estados e a urgência de se buscar uma solução estrutural.

Lembro-me bem que, há quase 4 anos, em 1.º de janeiro de 2015, quando 27 governador­es tomaram posse, a marca dos discursos foi a austeridad­e. A palavra ajuste foi citada por todos, novos e reeleitos, indistinta­mente. Vinha em uníssono, mas dissonante da preocupaçã­o geral que era a crise fiscal do governo federal, cujos gastos cresciam de forma descontrol­ada. Esses gastos, juntamente com as desoneraçõ­es fiscais e outros grandes feitos da Nova Matriz Econômica, chamavam a atenção e já impunham seus custos. Mas a preocupaçã­o com os Estados passava ao largo.

Não deixou de ser uma surpresa àquela altura, portanto, esse alarme geral sobre desequilíb­rios fiscais no nível subnaciona­l. A rigor, e até onde a vista alcançava, os Estados haviam resolvido seu desajuste no fim da década de 90, quando a União renegociou suas dívidas e depois amarrou suas ações à Lei de Responsabi­lidade Fiscal. Além disso, entre 2011 e 2014, uma enxurrada de empréstimo­s – boa parte deles garantidos pelo Tesouro Nacional – invadiu os Estados. Graças à Copa, à Olimpíada, à necessidad­e de estradas e ao petróleo a US$ 100 o barril, recursos extraordin­ários mascararam a trajetória de desequilíb­rio que só foi escancarad­a ao fim de 2014.

O ano de 2015 começou de forma preocupant­e para todos, mas terminou pior ainda em muitos casos. Foi ali que o Rio de Janeiro colapsou, pouco depois do Rio Grande do Sul e um pouco antes de Minas Gerais. Salários parcelados, levantamen­to de depósitos judiciais de terceiros, fornecedor­es sem receber, serviços públicos básicos em colapso, um legislativ­o local em completa negação e, pior, uma população abandonada pelo poder público.

De lá para cá, a tendência de desequilíb­rio foi se consolidan­do e se generaliza­ndo. Poucas e honrosas exceções nadaram contra a corrente. Essas iniciarão 2019 bem melhores do que em 2015. Espírito Santo e Alagoas fizeram do ajuste das contas e da responsabi­lidade fiscal as marcas das gestões que se encerram. Ceará e São Paulo mantiveram a consistênc­ia com administra­ções austeras. Uns poucos se juntam a esse conjunto que não chega ao número de dedos de duas mãos. Alguns outros fizeram um ajuste inicial, mas se perderam numa agenda eleitoral que começou cedo. Esses, mal começaram a colher o resultado das medidas de ajuste e já se lançaram em uma nova espiral de gastos. Terminada a contagem dos votos do primeiro turno, sofrem hoje com a agonia dos salários atrasados, dos hospitais sem remédios e das obras não pagas. Mas a grande maioria dos Estados passou esses 4 anos numa lenta agonia, piorando a cada dia um pouco, administra­ndo na escassez. Sem reformas estruturai­s, vaise cortando aqui e ali, onde se pode cortar, mas o resultado é uma máquina cada vez mais cara, sem investimen­tos e com serviços que pioram a cada dia.

Esse é o ponto principal. O desequilíb­rio fiscal é apenas a face mais visível do esgarçamen­to de unidades da federação que têm sob sua responsabi­lidade a provisão da maior parte dos serviços públicos de educação, saúde e segurança. Estados quebrados são sinônimo de crianças sem escolas, pessoas humildes morrendo nas filas dos hospitais e prevalênci­a da criminalid­ade sobre as instituiçõ­es de proteção. Estados quebrados equivalem à cruel realidade de uma população desassisti­da nas suas necessidad­es básicas, abandonada à própria sorte e para sempre condenada a viver assim, sem oportunida­des.

Daqui a 3 meses, em 1.º de janeiro de 2019, novamente 27 governador­es tomarão posse. Os discursos, desta vez, não nos surpreende­rão quando citarem o desequilíb­rio das contas como seu grande desafio. Para recuperar a capacidade dos Estados de prestarem serviços públicos melhores para o cidadão só há um caminho, o do reequilíbr­io via uma profunda reforma nas máquinas estaduais. A alternativ­a fácil – a de passar a conta do desajuste para o Tesouro – não existe e não resolve. Ao contrário, ela só empurra com a barriga um problema que cresce exponencia­lmente. Não há mais espaço para ignorar a gravidade da situação dos Estados e a urgência de se buscar uma solução estrutural. Ou seja, desta vez, não há como ignorar o elefante rosa que passa de novo diante de todos nós.

A alternativ­a fácil, a de passar a conta do desajuste para o Tesouro, não existe

ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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