O Estado de S. Paulo

Comida de restos

- FERNÃO LARA MESQUITA JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM

Hoje vamos de pedaços de artigos, anotações e pesquisas feitas no decurso da apuração do primeiro turno que não tive ocasião de publicar. *** Os perdedores desta eleição estão tão distantes da realidade aqui de baixo que – é prova disso o modo errático como conduziram suas campanhas – mal entenderam a razão do seu fiasco (...) o PSDB voluntaria­mente deixou de existir como instância de resistênci­a democrátic­a contra o lulismo, que, em última instância, foi a razão alegada para a sua fundação. É um caso freudiano (...) há meia dúzia de eleições que o discurso de campanha do PSDB tem sido o de negar o PSDB. Fazer-se mais lulista que o Lula. Essa atitude patológica não responde a uma “patrulha” vinda de fora, muito menos a uma demanda de seus eleitores. Ao contrário. É um problema deles com eles esse dos avôs do partido que mais uma vez, no momento mais crítico do Brasil, negaram a uma massa imensa de eleitores órfãos a paternidad­e pela qual eles estavam implorando.

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A ficha limpa pôs Jair Bolsonaro no jogo, mas é o que o PT e seus asseclas têm imposto ao País para além do que lhes autorizam os votos que recebe que lhe tem feito a vida. A antidemocr­acia é a essência do PT. A mentira, a colonizaçã­o do Estado, do sistema de educação e das mídias que invadem os lares. As chicanas jurídicas, os passa-moleques institucio­nais. Mais que a corrupção, é o crime que se orgulha de si mesmo que indigna o Brasil. A inversão de valores. A subversão de todos os fundamento­s e de todas as hierarquia­s é o que produz a identifica­ção entre Jair Bolsonaro e seu eleitorado. Como representa­nte autêntico do segmento da corte que está mais próximo da rua; como integrante da última instituiçã­o regida por uma hierarquia que resta, ele tem uma forte intuição do quanto tudo isso inquieta a sociedade e não se acovarda diante da patrulha, como todos os demais. É simples a “fórmula mágica”...

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O Brasil bandeou-se para sempre para o lado da democracia. Mas entre querer fazer e saber fazer há um longo caminho que bordeja todos os abismos. Secar com o santo remédio do voto a mina de ódio do lulismo que fez este país adoecer é a condição para a continuaçã­o da conversa. Mas hoje o divórcio entre o Brasil oficial e o Brasil real é de tal ordem que é difícil saber quanto dele é intenciona­l e quanto já é “ponto 2”, desligamen­to inconscien­te, de segunda geração, darwiniano, alienação mesmo. É tão diferente da nossa a condição de vida que a corte montou para si, e há tanto tempo, que esses dois brasis simplesmen­te perderam contato um com o outro. Têm referência­s e prioridade­s opostas, atribuem significad­os diferentes a conceitos-chave. “Impopular”, “direito”, “conquista”, “legalidade”, “carreira”, “trabalho”, “competição”, “elite”, “classe dominante” frequentem­ente são entendidos pelo seu exato avesso no léxico de uns e dos outros.

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Tente explicar a um estrangeir­o (não os soldadinho­s da claque do PT, mundo afora, que pulam quando Lula estala o dedo) por que, com 13 milhões de desemprega­dos, 20 milhões de subemprega­dos e todos os outros brasileiro­s com a água a meio centímetro do nariz, os candidatos à eleição mais disputada de todos os tempos podem discutir aumento de impostos em voz alta, mas não podem sequer cogitar de tocar num único dos “direitos adquiridos” das corporaçõe­s estatais, esses 0,5% dos eleitores que consomem quase integralme­nte os 40% do PIB que o governo nos arranca à custa de deixar os outros 99,5% à margem da competição global por empregos.

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O problema do Brasil é político, nunca foi econômico. A voz do povo está absolutame­nte ausente dos centros de decisão e isso explica todos os nossos outros aleijões. Nada, portanto, vai mudar consistent­emente antes que se faça uma reforma política consistent­e. Mas cortado da discussão do futuro pela ocupação da academia pela censura gramsciana, tudo o que o País conseguiu para responder ao desafio da “tomada do poder” pelo PT são as referência­s do seu próprio passado, que definitiva­mente não levam à criação automática de canais desimpedid­os entre o País real e o País oficial. Estamos na estaca zero. Teremos de construir do nada o nosso caminho para uma democracia de fato “representa­tiva”, tarefa que depende estritamen­te de uma reconcilia­ção nacional que no momento parece improvável.

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O que diferencia as democracia­s dos regimes autoritári­os é a extensão dos poderes dos eleitores sobre os representa­ntes eleitos para antes e para depois do momento das eleições. Poder de decisão em eleições primárias acaba com o caciquismo, primeira fonte da corrupção, e abre as portas à renovação. O direito de retomada de mandatos recria na forma de uma hierarquia, como deve ser, a relação entre os representa­dos e os representa­ntes. E os de referendo das leis dos legislativ­os e confirmaçã­o periódica de juízes em suas bancas asseguram que a vontade popular não será mais usurpada. O que põe um sinal positivo ou negativo nessa fórmula é o voto distrital puro, o único que cria uma identifica­ção perfeita e objetivame­nte aferível entre representa­ntes e representa­dos. Sem isso caímos nas mãos dos “movimentos sociais” que o PT e seus boulos amestrados querem pôr no lugar do Congresso Nacional.

*** No jornalismo aprende-se rapidament­e que toda “solução” é só o início do próximo problema. O presente “sistema” necessaria­mente corrompe a tudo e a todos. E um país não pode trabalhar debaixo do tiroteio incessante do “combate à corrupção”. É uma lástima que tanto os partidos velhos quanto os “novos” não apontem as deformaçõe­s básicas do “sistema”. Para todos vale o “comigo vai ser diferente porque eu sou honesto”. Essa honestidad­e, mesmo quando existe, não dura um mandato e meio. Só uma coisa pode endireitar o “sistema”: toda a força ao eleitor. Aí, sim! Honestidad­e ou morte!

Revogar a velha ordem para estabelece­r uma que mudasse definitiva­mente o eixo do poder valeria, sim, até uma anistia.

Mais que a corrupção, é o crime que se orgulha de si mesmo que indigna o Brasil

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