Trump tenta livrar governo saudita de culpa por morte de jornalista dissidente
Malabarismo diplomático. Após conversa com o rei Salman, presidente sugere que Jamal Khashoggi pode ter sido executado por ‘assassinos não autorizados’ pela Arábia Saudita; nova versão seria forma de evitar sanções ao país, um importante aliado dos EUA
O presidente dos EUA, Donald Trump, admitiu ontem a possibilidade de o jornalista saudita dissidente Jamal Khashoggi, que vivia nos EUA, ter sido realmente morto, mas por assassinos que agiram sem o conhecimento ou a autorização do governo da Arábia Saudita. Trump anunciou o envio de seu secretário de Estado, Mike Pompeo, para se reunir com o rei Salman, que assegurou ao americano não estar envolvido no caso.
A teoria levantada ontem por Trump, segundo o jornal New York Times, foi repetida separadamente por uma pessoa familiarizada com os planos do reino de culpar funcionários do serviço de inteligência para proteger o príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, da responsabilidade pelo crime. O jornalista está desaparecido desde o dia 2 e foi visto pela última vez no consulado saudita em Istambul, na Turquia.
A TV americana CNN, citando duas fontes cujos nomes foram mantidos em sigilo, afirmou ainda ontem que a Arábia Saudita está preparando um relatório no qual admite que o jornalista foi morto como resultado de um interrogatório que deu errado. A versão, segundo uma das fontes, ainda estava sendo elaborada e poderia mudar. A outra fonte disse que o relatório deve concluir que a operação foi conduzida sem autorização de Riad e os envolvidos serão responsabilizados pela morte. Fontes do governo da Turquia disseram que Khashoggi foi assassinado dentro do consulado e seu corpo, removido.
A declaração de Trump sobre o caso foi feita ontem na Casa Branca após uma conversa por telefone com o rei Salman. Aos jornalistas, Trump disse que a negativa do rei “não poderia ter sido mais forte” e, para ele, o crime pode ter sido cometido por “assassinos não autorizados”. “Quem sabe?”, questionou Trump.
Pela manhã, em sua conta no Twitter, o presidente americano afirmou que Pompeo viajará “imediatamente” para Riad, capital da Arábia Saudita, para se reunir pessoalmente com o rei. No fim de semana, o presidente ameaçou com uma “punição grave” caso se descubra que Khashoggi, crítico destacado das autoridades sauditas, foi realmente morto no consulado saudita. O governo da Arábia Saudita, por sua vez, ameaçou adotar retaliações.
Na manhã de ontem, Salman ordenou uma investigação interna sobre o sumiço de Khashoggi. Uma equipe turco-saudita fez uma busca no consulado. Segundo o jornal britânico The Guardian, porém, os turcos somente foram autorizados a entrar no prédio depois que uma equipe do consulado, acompanhada de um time de limpeza equipado com rodos, baldes e desinfetantes esteve no local.
Os investigadores turcos chegaram em um carro preto sem insígnias e não fizeram comentários a jornalistas que aguardavam do lado de fora. À noite, um caminhão chegou à representação acompanhado por um carro da polícia com placas de Ancara.
A tímida resposta americana tem razões econômicas. Em 2017, Trump anunciou um contrato de US$ 110 bilhões de venda de armas e equipamentos para a Arábia Saudita. Especialistas dizem ainda que, embora os EUA não sejam mais tão dependentes do petróleo saudita, as empresas de tecnologia no Vale do Silício recebem hoje bilhões de dólares de investimentos de Riad.