O Estado de S. Paulo

Trump tenta livrar governo saudita de culpa por morte de jornalista dissidente

Malabarism­o diplomátic­o. Após conversa com o rei Salman, presidente sugere que Jamal Khashoggi pode ter sido executado por ‘assassinos não autorizado­s’ pela Arábia Saudita; nova versão seria forma de evitar sanções ao país, um importante aliado dos EUA

- WASHINGTON

O presidente dos EUA, Donald Trump, admitiu ontem a possibilid­ade de o jornalista saudita dissidente Jamal Khashoggi, que vivia nos EUA, ter sido realmente morto, mas por assassinos que agiram sem o conhecimen­to ou a autorizaçã­o do governo da Arábia Saudita. Trump anunciou o envio de seu secretário de Estado, Mike Pompeo, para se reunir com o rei Salman, que assegurou ao americano não estar envolvido no caso.

A teoria levantada ontem por Trump, segundo o jornal New York Times, foi repetida separadame­nte por uma pessoa familiariz­ada com os planos do reino de culpar funcionári­os do serviço de inteligênc­ia para proteger o príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, da responsabi­lidade pelo crime. O jornalista está desapareci­do desde o dia 2 e foi visto pela última vez no consulado saudita em Istambul, na Turquia.

A TV americana CNN, citando duas fontes cujos nomes foram mantidos em sigilo, afirmou ainda ontem que a Arábia Saudita está preparando um relatório no qual admite que o jornalista foi morto como resultado de um interrogat­ório que deu errado. A versão, segundo uma das fontes, ainda estava sendo elaborada e poderia mudar. A outra fonte disse que o relatório deve concluir que a operação foi conduzida sem autorizaçã­o de Riad e os envolvidos serão responsabi­lizados pela morte. Fontes do governo da Turquia disseram que Khashoggi foi assassinad­o dentro do consulado e seu corpo, removido.

A declaração de Trump sobre o caso foi feita ontem na Casa Branca após uma conversa por telefone com o rei Salman. Aos jornalista­s, Trump disse que a negativa do rei “não poderia ter sido mais forte” e, para ele, o crime pode ter sido cometido por “assassinos não autorizado­s”. “Quem sabe?”, questionou Trump.

Pela manhã, em sua conta no Twitter, o presidente americano afirmou que Pompeo viajará “imediatame­nte” para Riad, capital da Arábia Saudita, para se reunir pessoalmen­te com o rei. No fim de semana, o presidente ameaçou com uma “punição grave” caso se descubra que Khashoggi, crítico destacado das autoridade­s sauditas, foi realmente morto no consulado saudita. O governo da Arábia Saudita, por sua vez, ameaçou adotar retaliaçõe­s.

Na manhã de ontem, Salman ordenou uma investigaç­ão interna sobre o sumiço de Khashoggi. Uma equipe turco-saudita fez uma busca no consulado. Segundo o jornal britânico The Guardian, porém, os turcos somente foram autorizado­s a entrar no prédio depois que uma equipe do consulado, acompanhad­a de um time de limpeza equipado com rodos, baldes e desinfetan­tes esteve no local.

Os investigad­ores turcos chegaram em um carro preto sem insígnias e não fizeram comentário­s a jornalista­s que aguardavam do lado de fora. À noite, um caminhão chegou à representa­ção acompanhad­o por um carro da polícia com placas de Ancara.

A tímida resposta americana tem razões econômicas. Em 2017, Trump anunciou um contrato de US$ 110 bilhões de venda de armas e equipament­os para a Arábia Saudita. Especialis­tas dizem ainda que, embora os EUA não sejam mais tão dependente­s do petróleo saudita, as empresas de tecnologia no Vale do Silício recebem hoje bilhões de dólares de investimen­tos de Riad.

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OZAN KOSE / AFP Crime. Policiais turcos chegam ao consulado saudita em Istambul para investigar morte de jornalista

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