O Estado de S. Paulo

O segundo turno

- BERNARD APPY DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Eu já fui próximo ao PT, tendo, inclusive, trabalhado no governo Lula. Afastei-me em 2009, decepciona­do com os rumos que estava tomando a política econômica. Minha decepção só aumentou, e muito, com a revelação dos esquemas de corrupção e com a péssima gestão da economia no governo Dilma. Ainda assim, não vejo opção senão apoiar Fernando Haddad no segundo turno das eleições presidenci­ais.

Essa é uma decisão estritamen­te pessoal. O Centro de Cidadania Fiscal, onde trabalho, seguirá contribuin­do para o aprimorame­nto das políticas públicas brasileira­s, qualquer que seja o presidente eleito.

A razão de minha decisão certamente não é a economia. Honestamen­te, não tenho a menor ideia de como será a gestão da política econômica de Haddad ou de Bolsonaro. O programa de Haddad tem algumas boas propostas, mas tem pontos muito preocupant­es, como a sinalizaçã­o do uso de instrument­os ineficient­es de intervençã­o governamen­tal ou a falta de uma indicação clara de compromiss­o com a sustentabi­lidade fiscal. Em seu favor, Haddad conta com o fato de ter feito uma gestão consistent­e das finanças públicas quando foi prefeito de São Paulo.

O programa de Bolsonaro tem um viés mais liberal, mas é absolutame­nte superficia­l, a ponto de sugerir que irá reduzir a carga tributária, quando qualquer economista que faz contas sabe que será impossível fazer o ajuste fiscal e simultanea­mente reduzir a carga tributária nos próximos quatro anos. O mais preocupant­e é a completa dissonânci­a entre a prática histórica de Bolsonaro – claramente populista – e o discurso de austeridad­e de seus assessores econômicos, a qual foi ratificada pelo recente anúncio de que irá criar um 13.º salário para o Bolsa Família.

Tampouco acredito que o combate à corrupção e a “tudo isso que está aí” seja a questão decisiva neste segundo turno. O PT certamente não está bem na foto, mas Bolsonaro também não. Ele foi deputado federal por 27 anos, a maior parte dos quais no PP, um dos partidos mais envolvidos na Operação Lava Jato. É pouco provável que não tivesse conhecimen­to da forma de operação de seu partido.

A razão para minha opção nem sequer é a preferênci­a por uma política de esquerda ou de direita (votei contra a candidata do PT nas duas últimas eleições presidenci­ais). É bom que haja alternânci­a no poder, desde que as regras do jogo democrátic­o sejam preservada­s. E aí é que está o problema.

Apesar de várias escorregad­as no discurso, o PT nunca teve práticas que pusessem em risco a democracia. Bolsonaro, ao contrário, questiona a legitimida­de das eleições caso não seja eleito, além de reiteradam­ente elogiar a ditadura militar e questionar a independên­cia da imprensa. O risco de eleger um autocrata antidemocr­ático é que o governo e os próprios instrument­os democrátic­os sejam manejados de modo a reprimir a oposição e perpetuar sua permanênci­a no poder – padrão infelizmen­te observado em várias democracia­s frágeis.

O mais preocupant­e em Bolsonaro, no entanto, é o discurso de incitação à violência e o tratamento como inferiores de homossexua­is, negros e mulheres, o que é a negação dos princípios liberais e democrátic­os mais básicos. Quais são os valores de uma pessoa cujo herói é um torturador?

A razão de minha escolha não é a economia nem a preferênci­a por uma política de esquerda ou direita

Não se trata de uma caracterís­tica sem consequênc­ias. O discurso de ódio de Bolsonaro legitima a intolerânc­ia violenta de parte da população, como já temos visto desde o primeiro turno das eleições e talvez vejamos de forma mais intensa se ele for eleito. Trata-se de um risco enorme num país que se encontra dividido e com os nervos à flor da pele.

Pode ser que as instituiçõ­es democrátic­as no Brasil sejam mais fortes que as de outros países governados por autocratas. Pode ser que Bolsonaro, contrarian­do toda a sua história, aceite atuar estritamen­te dentro das regras do jogo democrátic­o. Mas o risco de apostar nessa hipótese e estar errado é alto demais. Prefiro apoiar um candidato que, se fizer um mau governo, eu tenho certeza de que posso tirar pelo voto daqui a quatro anos.

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