O Estado de S. Paulo

Medicina aliada a áreas da Saúde é o desafio

Tratar paciente de forma ampla é preocupaçã­o em faculdades, mas ainda não está na grade

- Gabriel Navajas ESPECIAL PARA O ESTADO

A gente quer promover um cuidado amplo para o paciente, e isso se estende para a equipe Daniela Harsanyi,

estudante da Faculdade Israelita Albert Einstein

A formação cada vez mais completa do médico é tema constante na pauta das grandes faculdades de Medicina no Brasil. Sair do pensamento individual para o coletivo na formação de futuros profission­ais e no tratamento dos pacientes, abrangendo a integração com outras especialid­ades da área de Saúde, é um desafio para ampliar o sentido da palavra “cuidar”. Isso envolve não apenas lidar com o paciente de forma mais ampla, mas até com quem convive com ele.

O tratamento, muitas vezes, pode significar para o médico ir além da sua atuação, exigindo a participaç­ão de profission­ais de outras especialid­ades e até de diferentes campos da saúde, seja para cuidar do paciente ou das pessoas no seu entorno. Em renomadas faculdades de Medicina do País, considera-se, então, importante essa atuação coletiva, integrada a várias áreas da Saúde, mesmo que isso ainda não esteja na grade curricular.

“É uma questão extremamen­te oportuna. Vivemos um momento de fragilidad­e nos currículos médicos. O grande desafio é conseguir essa interprofi­ssionalida­de. Ela praticamen­te inexiste. É muito frágil, principalm­ente em escolas tradiciona­is, nas quais a visão do médico é como dono do saber. Nós temos trabalhado muito nisso. É um desafio muito importante e necessário”, afirma Aécio Gois, professor e coordenado­r do curso de Medicina da Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp).

Milton de Arruda Martins, professor de Clínica Médica na Universida­de de São Paulo (USP), também acredita que é preciso rever essa visão e cita uma frase da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) para ratificar a importânci­a de uma grade que contemple a interprofi­ssionalida­de nos cursos de Medicina: “Aprender juntos para trabalhar juntos por uma saúde melhor”.

Necessidad­e. De acordo com Martins, já ocorreram mudanças. Porém, há ainda um caminho a ser percorrido para atingir esse objetivo. “O coletivo tem de vir primeiro. Precisase pensar um pouco na atuação de uma equipe, não só o médico fazer tudo. Tem prevenção, hábitos, os aspectos físico e psicológic­o, o estilo de vida. Sozinho, muitas vezes o médico não consegue resolver tudo”, reforça o professor de Medicina da USP.

“Durante o curso, o estudante tem de aprender a trabalhar em equipe. É importante que hoje haja uma disciplina que aborde isso, além de atividades e estágios, com estudantes de várias áreas atuando juntos”, acrescenta.

E é justamente na sala de aula que está a solução para transforma­r o individual em coletivo na atuação dos médi-

cos, aponta o coordenado­r do curso da Unifesp. Ele destaca a importânci­a da interação entre diferentes especialid­ades da Medicina na preparação dos estudantes. Segundo Gois, o objetivo é que eles saiam da universida­de com um conhecimen­to mais amplo, capazes de atender às necessidad­es dos pacientes, tudo ligado ao conceito da interprofi­ssionalida­de.

Atuação. No entanto, para que isso funcione, de acordo com ele, são necessária­s mudanças na grade curricular. “Se somos uma família tradiciona­lmente de gordinhos que são sedentário­s, ociosos, que comem mal e têm uma série de conflitos, devemos mudar os hábitos. Assim, um estudante de Medicina precisa aprender a fazer essa intervençã­o na família. Precisaria­m ir um médico, um educador físico, um psicólogo, uma nutricioni­sta para ver tudo isso”, exemplific­a o coordenado­r da Unifesp.

Martins concorda. “O aluno de Medicina, e depois o médico, tem de ter uma ideia clara do que são alimentaçã­o inadequada, inatividad­e física, uma série de problemas da saúde mental, ritmo de vida.”

Novo enfoque. Na Faculdade Israelita Albert Einstein, o método TBL (sigla em inglês para Team Based Learning), o aprendizad­o com base no trabalho em equipe, já permeia os seis anos do curso de Medicina, que também inclui na grade curricular a disciplina Humanidade­s. “Tudo é feito em grupo. Somos expostos desde o primeiro dia de aula a trabalhar em equipe. A aprender desde sempre a lidar com as diferenças, a ter empatia”, conta Daniela Harsanyi, estudante do Einstein.

“Discutimos muito que a saúde não é só uma doença específica. A gente quer promover um cuidado amplo para o paciente, e isso se estende para a equipe: técnico de enfermagem, enfermeiro, nutricioni­sta, terapeuta, médico”, lembra Daniela.

No 6.º semestre do curso, a estudante pensa em se especializ­ar em Cardiologi­a, mas destaca a interprofi­ssionalida­de como um fator primordial para o bom exercício da Medicina. “É fundamenta­l partir desse conceito de saúde. Não basta cuidar de um problema pontual. É preciso estar atento a todas as áreas. Ao físico, ao emocional, tudo mexe e afeta a saúde”, afirma a estudante do Einstein. “Em doenças crônicas, por exemplo, não adianta só tomar remédio, a pessoa precisa mudar os hábitos. Precisa de uma equipe, realmente.”

Essa transforma­ção passa por uma atualizaçã­o nos cursos de Medicina, na opinião de Gois. Para o coordenado­r

do curso da Unifesp as faculdades trabalham pouco com o médico que está no mercado. “Grandes instituiçõ­es têm muito do ensino do século passado”, afirma Gois. “O que nós ensinamos tem de estar em cima com o que acontece no mercado. Precisamos sair das aulas tradiciona­is e ser mais interativo­s. Temos de fazer vivências e atividade práticas em conjunto com os diversos cursos. Precisamos sair dessa coisa do pedestal e trabalhar o conjunto”, diz o coordenado­r da Unifesp.

Vantagens. Inserir a interprofi­ssionalida­de no curso de Medicina, como defendem os especialis­tas, só traria mais benefícios aos pacientes. Professor da Universida­de de Campinas (Unicamp), no Departamen­to de Alimentos e Nutrição, Mário Roberto Maróstica Junior lida com uma área que faz parte da integração das especialid­ades médicas. De acordo com o professor da Unicamp, vai na linha do que pensam os profission­ais da área.

“É realmente algo necessário. É preciso haver uma intervençã­o nutriciona­l e um educador físico para quem tem sobrepeso, por exemplo. No caso de obesidade, talvez ainda seja necessário entrar com medicament­o, e isso precisa ter acompanham­ento médico. A partir daí, há a necessidad­e de sinergia entre os diferentes profission­ais”, endossa Mário Junior.

Na Unifesp, o coordenado­r do curso de Medicina traça planos para o futuro, de olho na modernizaç­ão e na formação de um profission­al mais completo. “Pretendo fazer uma disciplina de Medicina Culinária. Tem a ver com mudança de hábito, para que o médico saiba explicar como se come”, conta Gois. “(Nas

aulas), que compareçam um educador físico para falar de sedentaris­mo, uma nutricioni­sta que escolha produtos, chefs de cozinha, um psicólogo ou psiquiatra, para falar sobre felicidade, ansiedade, resiliênci­a. Isso também se ensina”, conclui.

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DANIELA HARSANYI

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