O Estado de S. Paulo

Formação continua após o curso

Escolha de campo para se especializ­ar exige amadurecim­ento do aluno ao longo dos estudos

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A ideia inicial de Letícia Correa da Costa Molina, que cursa o 6.º ano de Medicina na Universida­de Estadual Paulista (Unesp), era trabalhar na área de Cardiologi­a, Neurologia ou Oncologia Pediátrica. Sua vontade de se especializ­ar em um desses campos de atuação existia desde que ela decidiu sua carreira. Mas tomou um rumo diferente.

“No primeiro ano, tive pouco contato com o que pretendia fazer. Quando comecei a ter, vi que não tinha nada a ver comigo”, conta Letícia. “No ano passado, passei a pensar em cirurgia. Mas você analisa várias coisas, tanto o gostar quanto a vida, o dia a dia, a carga de trabalho. Cirurgia é muito mais puxado. Pulei para Ginecologi­a e Obstetríci­a.”

A escolha, no entanto, ainda não seria definitiva. “Nos últimos dois anos da faculdade, você passa mais pelas especialid­ades. No meio deste ano, fiz estágio de Anestesiol­ogia e gostei bastante. A vida era mais tranquila. Foi aí que eu me decidi”, diz a estudante.

Esse dilema pelo qual Letícia passou faz parte da rotina de muitos alunos de Medicina que iniciam a graduação ou mesmo os que estão no fim do curso e se deparam com a dúvida: que especialid­ade devo seguir? “Às vezes, o aluno se sente abalroado pelas informaçõe­s disponívei­s e acaba desistindo de certas áreas. Muitas vezes, a especializ­ação não é uma escolha por afinidade. Damos opção para o aluno circular nas diversas áreas e para que ele possa fazer escolhas por valores pessoais e por gosto, não sendo pressionad­o”, observa Alexandre Holthausen Campos, diretor de graduação em medicina e diretor acadêmico de ensino da Faculdade Israelita Albert Einstein.

Letícia concorda. “As pessoas acham que é obrigação sair da faculdade decidido. Vários amigos meus preferem trabalhar um ano (em postos de saúde ou fazendo plantões) e depois ver como vai ser.”

Caminho. Depois dos seis anos da graduação, o médico precisa continuar aprendendo. “O aluno de Medicina estuda muito. O conhecimen­to, hoje em dia, aumenta em uma velocidade espantosa. Duas áreas cresceram muito no fim do século passado: Medicina e Engenharia. O aprofundam­ento é muito necessário”, afirma o radiologis­ta Aldemir Humberto Soares, integrante do Conselho Federal de Medicina (CMF) e representa­nte da Associação Médica Brasileira (AMB).

De acordo com a Resolução 1634/2002, art. 4 do CMF, para que o médico possa declarar

vínculo com a especialid­ade escolhida é preciso ter o certificad­o de residência ou o título da área – obtido em uma prova da AMB, apenas para quem não fez residência. “Cada especialid­ade tem um tempo mínimo (de residência), que varia de dois a cinco anos. Depende da área e da complexida­de dos procedimen­tos que ela requeira”, afirma o representa­nte da AMB.

Variedade. Existem 54 especialid­ades, de acordo com dados da Demografia Médica no Brasil, estudo coordenado por Mário Scheffer, professor de Medicina da Universida­de de São Paulo (USP). Anestesiol­ogia, especialid­ade escolhida por Letícia, é uma das mais procuradas. Ocupa a quinta colocação no ranking do levantamen­to, com 23.021 títulos, o que correspond­e a 6% dos especialis­tas do País.

Uma das áreas pouco conhecidas é a Medicina Preventiva e Social, ligada à Educação, porque forma professore­s e pesquisado­res. Para se ter uma ideia, são apenas 1.863 títulos médicos, número que equivale a apenas 0,5% do total. “Isso porque houve uma transição, ela foi realocada. A Medicina de Família e Comunidade a substituiu na prática”, explica Scheffer.

“É uma especialid­ade que não é clínica. Forma administra­dores, gestores. O médico vira secretário de Saúde, coordenado­r de Vigilância Sanitária, professor, pesquisado­r. Antes, essa especialid­ade era para médicos de atenção primária (atendiment­o inicial).

Agora, está mais voltada para administra­ção de saúde pública, pesquisa e também docência. Tem pouca oferta, poucos programas.”

O médico Kenneth Camargo, doutor em Saúde Coletiva pela Universida­de do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e professor do Instituto de Medicina Social (IMS), também cita essa alteração nas duas especialid­ades e ressalta que a Medicina

No Brasil, a moradia e a violência também são um problema de saúde pública

de Família e Comunidade, pelo seu aspecto prático, necessita de uma forte ação multidisci­plinar.

“Tem de ser um trabalho muito mais interdisci­plinar, que não envolva apenas o médico. (São necessário­s) até mesmo cientistas sociais, políticos e economista­s para pensar essa questão da saúde. Doença não é um fenômeno só biológico. No Brasil, a moradia, por causa das condições insalubres, e a violência também são um problema de saúde pública”, comenta Camargo. “A qualidade de vida determina, de uma forma ou de outra, como o cidadão vive.”

Demanda. Soares, conselheir­o do CFM, destaca que o desenvolvi­mento de determinad­as especialid­ades está relacionad­o a dois fatores. “As especialid­ades têm um cresciment­o variável e estão vinculadas, basicament­e, à evolução tecnológic­a, com maior conhecimen­to em determinad­as áreas, e ao poder resolutivo que essa área vai conseguind­o, o que a torna mais atrativa”, afirma.

Ele cita a Geriatria como uma área que pode aumentar

o número de títulos nos próximos anos, pois há demanda. “Hoje, são necessário­s muito mais geriatras do que há 50 anos, porque temos muito mais idosos que antes. A população está vivendo mais”, diz o conselheir­o do CFM. “E, acabando com determinad­as doenças, muito mais gente sobrevive. Essas pessoas vivem mais. Podem vir novas especialid­ades ou o aprofundam­ento de outras”, conclui.

Kenneth Camargo,

professor do Instituto de Medicina Social (IMS)

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LETÍCIA CORREA DA COSTA MOLINA Realidade. Durante a faculdade, Letícia conheceu a rotina das áreas para decidir o que seguir
 ?? MÁRCIO ARRUDA/ASSESSORIA DE IMPRENSA DO CFM ?? Futuro. Conselheir­o do CFM, Soares aponta que interesse por Geriatria deve aumentar
MÁRCIO ARRUDA/ASSESSORIA DE IMPRENSA DO CFM Futuro. Conselheir­o do CFM, Soares aponta que interesse por Geriatria deve aumentar

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