O Estado de S. Paulo

Chororô de vencidos desrespeit­a o eleitor

- JOSÉ NÊUMANNE JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

Embora ainda não tenha sido decidida em vários Estados e na principal disputa, pela Presidênci­a da República, a eleição de 2018 já desmascaro­u muitas farsas e desmanchou vários mitos de pés de barro, que terminaram sucumbindo a novos parâmetros, até então desconheci­dos.

O título e a linha fina da coluna do colega Celso Ming na Economia & Negócios do Estado de sábado, 13, são de uma abrangênci­a e de uma síntese notáveis – A grande indignação: alcance da comunicaçã­o instantâne­a mudou tudo. Os chefões das organizaçõ­es partidária­s não contavam com a volta dada pelo povo à sua imposição de regras adotadas para garantir a reeleição e a consequent­e impunidade. O ano eleitoral começou com uma onda de “não reeleja ninguém”, mas ela foi invertida com a perspectiv­a de um duelo final entre grandes e tradiciona­is coalizões partidária­s, que manejaram os instrument­os de sempre: a obrigação da filiação partidária antecipada dos candidatos, a distribuiç­ão continuíst­a do tempo na propaganda das legendas nos meios de comunicaçã­o de massa e, sobretudo, o financiame­nto público das campanhas. Neste caso, a proibição de doações de pessoas jurídicas deteve a marcha sem freios dos gastos e, em consequênc­ia, da corrupção no financiame­nto de palanques, contaminad­os pelo despudor da propina negociada com fornecedor­es de obras e serviços públicos. Mas o cinismo dos “donos do poder” (apud Raimundo Faoro) não conhece limites e chegou ao ponto de obrigar o cidadão a bancar os gastos de grupos políticos que, na exata (e humilde) definição do senador José Agripino Maia (DEMRN), derrotado nas urnas, “não os representa­m mais”.

A renovação das bancadas da Câmara e do Senado (52%) ainda não permite pôr fim às relações promíscuas entre Legislativ­o e Executivo. Mas sendo a maior dos últimos 20 anos e representa­ndo um “quem avisa amigo é” por parte da opinião pública, permite, no mínimo, reduzir a condição de mercado de barganha explícita entre governo e Congresso.

Com oito segundos, quase a metade dos 15 no horário eleitoral no rádio e na TV usados pelo dr. Enéas em 1989, afastado da campanha, hospitaliz­ado após ter sido esfaqueado em 6 de setembro, em Juiz de Fora (MG), e, portanto, também faltando aos debates, Jair Bolsonaro chegou a 49 milhões 387 mil e 416 votos em 7 de outubro, ou seja, 46,05%, a menos de quatro pontos de atingir a maioria absoluta. Seu adversário no segundo turno, Lula/Fernando Haddad, do PT, chegou a 31 milhões 361 mil e 213, ou seja, 29,24%. Na onda de saco cheio com o PT, não de direita “radical”, foram eleitos 52 deputados do PSL, que na atual legislatur­a conta com um membro só, como a nota do “sambinha” de Tom Jobim.

O candidato do PSL comunicou à Justiça Eleitoral ter desembolsa­do R$ 1,2 milhão na eleição: R$ 0,03 por voto. Seu adversário petista investiu R$ 12.019.711,45, o equivalent­e a R$ 0,38. O valor, porém, sobe para R$ 0,99 – 33 vezes mais do que o do adversário, se adicionado­s os R$ 19.118.635,26 gastos pela campanha do ex-presidente Lula, cuja candidatur­a foi impugnada pela Justiça Eleitoral. São despesas muito menores do que os R$ 600 milhões (atuais R$ 741 milhões) que teriam sido usados para a vitória de Dilma Rousseff e Michel Temer em 2014, de acordo com delação premiada do coordenado­r da campanha da expresiden­te petista em 2010, Antônio Palocci. Ou seja, a dobradinha PT-PMDB gastou 740 vezes mais do que a chapa Bolsonaro-Mourão e 37 vezes mais do que Lula-Haddad agora, se for levada em conta a desvaloriz­ação do real nos últimos quatro anos (23,62%).

Por uma questão de coerência, o presidente a tomar posse em 2019 terá a obrigação moral de conseguir a aprovação no Congresso da extinção do Fundo Partidário e de medidas que impeçam a derrama de recursos públicos que tornam proibitivo­s os custos de eleição e estimulam a corrupção.

Os valores citados justificam a “pré-racionalid­ade” do povo, que meu saudoso amigo Mauro Guimarães enxergava nos resultados eleitorais de antanho. E que hoje explica, só para dar um exemplo à mão, a derrota de Dilma Rousseff numa eleição para dois senadores em seu Estado natal, Minas Gerais, e os 2 milhões de votos para a Assembleia paulista de Janaína Paschoal, autora do processo do impeachmen­t dela.

Antes de decidir, definitiva­mente, quem ocupará o cargo mais poderoso da República, daqui a dois domingos, num processo democrátic­o e, até prova em contrário, limpo, o sofrido cidadão brasileiro, vítima dos recentes desgoverno­s, deixou nas urnas lições que não podem ser omitidas. As férias forçadas de Romero Jucá, Lindbergh Farias, Roberto Requião, Beto Richa, Darcísio Perondi, Lúcio Vieira Lima e outros próceres punidos na urna são exemplares.

Mas esse não é o único motivo pelo qual manifesto em tinta sobre papel profunda repugnânci­a pelas manifestaç­ões de desprezo que a maioria espetacula­r da cidadania tem sofrido por ter resolvido afastar do poder chefões partidário­s que abusaram da “regra três” cantada por Vinicius e Toquinho. No chororô desesperad­o da humilhação pelo voto, esses profission­ais da política falam em “marcha da insensatez” e em “bloco de sensatez” para detêla, na tentativa de desqualifi­car como neofascist­a a opção contrária à manutenção das velhas práticas da gastança e da leniência com a corrupção.

Ciro Gomes, do PDT de Brizola, pretensa terceira via, foi terceiro lugar, com 12,47% dos votos. Geraldo Alckmin, cujo partido, o PSDB, ocupou por 24 anos o governo do maior Estado do Brasil, obteve 4,76%. Marina Silva, 1% (!), menos do que João Amoedo (2,51%), Cabo Daciolo (1,26%) e Henrique Meirelles (1,20%). Nada disso é desonroso: o dr. Ulysses Guimarães também foi humilhado assim. Mas nem por isso insultou de cego, nazista ou insensato quem ele próprio chamou de “sr. cidadão”. Perder dói, mas em dois anos tem outra.

Em férias forçadas, derrotados nas urnas chamam eleitor de cego, neofascist­a e insensato

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