O Estado de S. Paulo

Mais Médicos e SUS opõem Bolsonaro e Haddad

Candidato do PSL afirma que o Sistema Único de Saúde não precisa de mais recursos, propõe mudanças no programa que recebe cubanos e retomada do modelo Inamps; petista quer mais financiame­nto público e criação da Rede de Especialid­ades Multiprofi­ssional

- Lígia Formenti / BRASÍLIA

As diferenças entre os candidatos à Presidênci­a Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) ficam explícitas em Saúde. Em seu programa de governo, Bolsonaro afirma que o Sistema Único de Saúde (SUS) não precisa de mais recursos, propõe mudanças no Mais Médicos e sugere a retomada de um modelo de contrataçã­o usado no período do Inamps. Haddad, por sua vez, defende mais financiame­nto público para o SUS, reforço do Mais Médicos e criação da Rede de Especialid­ades Multiprofi­ssional.

Socorrido por um hospital credenciad­o ao SUS depois de ser ferido com uma faca em Juiz de Fora (MG), Bolsonaro em seu programa critica a qualidade do sistema. Afirma que a área deveria ser muito melhor, consideran­do o valor que o Brasil já gasta – equivalent­e, segundo ele, ao de países mais ricos. Ao mesmo tempo em que descarta mais investimen­tos, o capitão reformado prevê um sistema de contrataçã­o de médicos que, na avaliação de especialis­tas, provocaria uma profunda desordem no sistema.

A ideia é de que médicos interessad­os possam atender o SUS. “Isso é inviável. Já foi usado no passado e se mostrou ineficaz e caro”, afirma o presidente da Federação Médica Brasileira (FMB), Waldir Cardoso. Professor da Universida­de de São Paulo, Mário Scheffer faz o mesmo diagnóstic­o. “Seria um retrocesso. A retomada de um modelo propício para fraude, onde não há planejamen­to e, sobretudo, com gastos incontrolá­veis.” Professor da Unicamp, Gastão Wagner considera “impossível de ser colocado em prática”.

Haddad propõe que gastos públicos cheguem a 6% do Produto Interno Bruto e, para isso, sugere novas regras fiscais e a retomada do Fundo Social do Pré-Sal para o financiame­nto público da saúde. Scheffer afirma que a disposição em ampliar os investimen­tos para o setor é bem-vinda. “Mas o programa não deixa claro como isso será realizado.”

Consultor de saúde, Eugenio Vilaça se mostra descrente. “Há 20 anos se fala em aumento de recursos para a Saúde, mas o discurso não se concretiza”, completa. Para ele, as promessas na área geralmente desconside­ram problemas complexos. “Não se pode anunciar soluções simplistas.”

Carreira. Bolsonaro encampou pontos que são defendidos com entusiasmo pela classe médica. Entre eles, a criação de uma carreira de Estado para a profissão. O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Lincoln Lopes Ferreira, afirma que a estratégia seria útil para garantir assistênci­a de qualidade em todo o País. Profission­ais seriam pagos pelo governo federal e teriam uma progressão na carreira, com mudanças periódicas nos locais de trabalho. A ideia não é nova. Embora defendida por profission­ais em contrapont­o ao Mais Médicos, nunca prosperou.

A resistênci­a se explica. Com a carreira médica, o financiame­nto de profission­ais ficaria totalmente sob responsabi­lidade

do governo federal, o que aumentaria gastos. Hoje, há profission­ais pagos tanto pela esfera federal quanto por Estados e por municípios. “As propostas são contraditó­rias. Ao mesmo tempo em que ele afirma não ser necessário um aporte de recursos, o programa prevê medidas que vão aumentar de forma expressiva os gastos”, observa Scheffer.

Além da carreira, o capitão reformado acena com a desidrataç­ão do Mais Médicos. A proposta é que somente participem do programa profission­ais que validaram seu diploma no País. Além disso, o pagamento seria feito diretament­e pelo governo federal, dispensand­o o convênio com a Organizaçã­o PanAmerica­na de Saúde (Opas). “Esse programa (Mais Médicos) é uma aberração. Foram investidos recursos em treinament­o de pessoas que não vão ficar no País”, diz Lopes Ferreira. O programa, no entanto, tem o apoio da população e de prefeitos. “Certamente a mudança provocaria uma reação nos municípios”, observa Scheffer.

Para o presidente da FMB, os planos apresentad­os por Bolsonaro para o Mais Médicos indicam a pouca intimidade do candidato com o assunto. Sobretudo quando ele acena para a possibilid­ade de se chamar familiares dos profission­ais para morar no Brasil. “Não haveria condição de fazer o pagamento diretament­e para profission­ais. Há um acordo com outro país e com a Opas”, constata. “Além disso, a vinda de familiares somente seria possível com a anuência do governo cubano.”

A AMB não declarou apoio. Mas o presidente da entidade não esconde sua preferênci­a por Bolsonaro. Mesmo assim, Lopes Ferreira admite que a proposta do candidato do PSL sobre o credenciam­ento de médicos, a exemplo do que ocorria no extinto Inamps, não se sustenta. “Faz parte de uma iniciativa bem intenciona­da, mas carece de fundamento.”

O candidato do PSL também sugere mudanças na assistênci­a suplementa­r. Médicos que atendem planos de saúde não precisaria­m ser credenciad­os. Todos os interessad­os poderiam atuar. A medida já foi defendida por entidades de classe, mas depois acabou abandonada. “Não consigo vislumbrar vantagens nesse mecanismo”, diz Cardoso.

Especialid­ades. Além do reforço do financiame­nto, o programa de Haddad segue princípios apresentad­os por integrante­s do seu partido. A ideia da Rede de Especialid­ades, por exemplo, já havia sido apresentad­a por Arthur Chioro, professor da Universida­de Federal de São Paulo e ministro da Saúde do governo Dilma Rousseff. A proposta é uma espécie de desdobrame­nto do Mais Médicos, programa criado para fazer frente à carência na atenção básica. Na Rede de Especialid­ades, a ideia é prover especialis­tas, sobretudo para áreas carentes.

“O problema é que as falhas na atenção básica ainda são evidentes. Se a atenção fosse adequada, mais de 70% dos problemas poderiam ser resolvidos ali. É preciso prioridade”, avalia Vilaça.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil