O Estado de S. Paulo

A não ser que se proponha aperto fiscal com alta de tributos, zeragem do déficit exigiria medidas com impacto não imediato.

- Adriana Fernandes

Não existe condão mágico para uma reversão rápida e permanente do quadro de déficit estrutural das contas públicas. A ideia de que é possível zerar o déficit até o fim do primeiro ano do presidente eleito, proposta pelo candidato líder das pesquisas Jair Bolsonaro (PSL), não encontra sustentaçã­o na realidade dos números.

Muito menos a expectativ­a que ronda o mundo político, desde o ano passado, de que dá para fazer esse movimento brusco com base na previsão de receita futura com o leilão dos barris excedentes da cessão onerosa do pré-sal.

Mesmo que o próximo governo consiga obter R$ 100 bilhões com o leilão dos barris como se espera, depois de resolver o complexo imbróglio jurídico e contábil para o fechamento do acordo de revisão do contrato entre União e Petrobrás, ainda assim faltaria receita para cobrir o rombo de R$ 139 bilhões previsto para o resultado das contas do governo federal no ano que vem.

O governo ainda teria de pagar bilhões à Petrobrás pela revisão dos parâmetros e encontrar uma forma de fazer registrar essa despesa fora do teto de gastos (mecanismo que impede que as despesas subam acima da inflação) – possibilid­ade que encontra resistênci­a na área técnica e pode trazer problemas, no futuro, com o Tribunal de Contas da União para a autoridade que botar o seu CPF na operação.

A não ser que o presidente eleito proponha um forte aperto fiscal com alta de tributos, possibilid­ade já descartada pelos dois candidatos ao Palácio do Planalto – Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) –, a zeragem do déficit exigiria medidas estruturai­s com impacto não imediato.

É o caso de mudanças nas regras do abono salarial e da própria reforma da Previdênci­a que voltaram ao centro do debate fiscal. Caso seja aprovada uma alteração nas regras do abono, o que demandaria alteração na Constituiç­ão, a economia de recursos só valeria para 2020.

Em 2019, serão pagos compromiss­os assumidos com o abono em 2018. E assim por diante, como estabelece a regra de pagamento do benefício que assegura um salário mínimo anual aos trabalhado­res que recebem em média até dois salários mínimos. Por tanto, mesmo que o presidente eleito consiga enfrentar as resistênci­as históricas no Congresso e aprovar a mudança no abono, o impacto só se daria em 2020. A mesma lógica vale para a Previdênci­a, medidas que tiram as “amarras” orçamentár­ias e privatizaç­ões que levam tempo para serem aprovadas e concluídas.

Técnicos do governo envolvidos há pelo menos quatro anos em sucessivas tentativas de medidas de aumentar as receitas e reduzir despesas – boa parte delas sem sucesso por resistênci­a do Congresso – enxergam um espaço mínimo de medidas que podem ser adotadas com efeito em 2019 com potencial de derrubar o déficit.

É bom lembrar que até propostas defensávei­s do ponto de vista distributi­vo de renda – como a mudança na tributação do Imposto de Renda dos fundos exclusivos – não passaram pela barreira organizada pelos deputados e senadores. A ideia voltou a entrar no circuito na eleição e para valer em 2019 teria de ser aprovada até o fim do ano pelo Parlamento atual que será substituíd­o a partir de fevereiro com uma renovação de 52% depois das eleições.

Votações dos últimos dias no Congresso também aumentaram a fatura para o próximo presidente. Se a Eletrobrás não for vendida, como se esperava até agora, a conta aumenta em mais R$ 13 bilhões. Mais uma vez está faltado pragmatism­o na avaliação das ações fiscais. O problema fiscal é estrutural e não será resolvido com medidas conjuntura­is que antecipam receitas futuras.

Com mais chance de chegar à Presidênci­a, Bolsonaro esconde o jogo quando o assunto é contas públicas.

Se ganhar a eleição, seu time terá com certeza choque de realidade. O que vale também para Haddad. Pode ser que, aí, o vencedor atenda as recomendaç­ões de que é melhor tocar desde já uma reforma da Previdênci­a para abrir o caminho para a processo de consolidaç­ão fiscal. É JORNALISTA DO BROADCAST

Choque de realidade pode fazer novo governo pensar em uma reforma da Previdênci­a

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