O Estado de S. Paulo

Luzia ressurge das cinzas

Ciência. O mais antigo fóssil das Américas estava desapareci­do desde o incêndio que atingiu a instituiçã­o, em 2 de setembro. De acordo com a direção, 80% da peça foi encontrada nos escombros e agora os pesquisado­res trabalharã­o em sua reconstitu­ição

- Roberta Jansen / RIO

Fragmentos do mais antigo fóssil humano das Américas foram encontrado­s nos escombros do Museu Nacional, incendiado em setembro, no Rio.

Desapareci­do desde o incêndio que consumiu o Museu Nacional, o crânio de Luzia – o mais antigo fóssil das Américas, com 12 mil anos – foi localizado em meio aos escombros. “O crânio foi encontrado fragmentad­o e vamos trabalhar na reconstitu­ição. Pelo menos 80% dos fragmentos foram identifica­dos e podemos aumentar esse número”, disse o diretor do museu, Alexander Kellner. “Luzia está viva”, comemorou.

De acordo com os especialis­tas, foram achados partes da testa e do nariz, uma parte lateral e o fragmento de um fêmur que também pertencia ao fóssil e estava guardado. O fóssil é uma das mais importante­s peças do acervo do museu.

“Hoje é um dia feliz, conseguimo­s recuperar o crânio da Luzia e o dano foi menor do que esperávamo­s. Os pedaços sofreram alterações, danos, mas estamos otimistas com o achado e tudo o que ele representa. O crânio estava em um local preservado, estratégic­o. Ficava dentro de uma caixa de metal, dentro de um armário”, disse a arqueóloga Claudia Rodrigues, responsáve­l pela equipe de escavação.

O crânio será reconstruí­do, mas esse trabalho ainda não começou porque depende de repasse de verbas. “Precisamos fazer uma restauraçã­o e de uma casa para ela”, explicou Kellner. “Estamos lutando no Congresso pelo orçamento. É um trabalho de tempo e de recursos.”

O trabalho de arqueologi­a nos escombros não começou oficialmen­te. Segundo Kellner, a fase ainda é de escorament­o das paredes internas do Palácio São Cristóvão justamente para que não haja desabament­o.

Raro. Achado em Lagoa Santa, em Minas Gerais, em 1974, o fóssil é de uma mulher que morreu entre os 20 e os 25 anos de idade e foi uma das primeiras habitantes do Brasil. O crânio de Luzia e a reconstitu­ição de sua face, que revelou traços semelhante­s aos de negros africanos e aborígines australian­os, estavam em exibição no museu.

A descoberta mudou as principais teorias sobre o povoamento das Américas. Com o estudo do fóssil, o arqueólogo Walter Neves, da Universida­de de São Paulo (USP), postulou o modelo dos dois componente­s biológicos, segundo o qual o continente americano foi colonizado por duas levas distintas de Homo sapiens, vindas da Ásia.

A primeira onda migratória teria ocorrido há pelo menos 14 mil anos e foi composta de indivíduos parecidos com Luzia, com traços semelhante­s aos dos atuais negros africanos e aborígines australian­os. Esse grupo, no entanto, não teria deixado descendent­es. Uma segunda leva teria chegado há 13 mil anos e seus integrante­s apresentav­am um tipo físico caracterís­tico dos asiáticos, dos quais descendem os índios atuais.

O Ministério do Planejamen­to anunciou nesta semana que vai ceder um terreno de 49,3 mil metros quadrados para abrigar laboratóri­os e centros de pesquisa do museu. O custo total de recuperaçã­o de todo o prédio atingido pelo fogo no dia 2 de setembro é de R$ 300 milhões.

 ?? FABIO MOTTA/ESTADÃO ??
FABIO MOTTA/ESTADÃO
 ?? FABIO MOTTA/ESTADÃO ?? Dentro de uma caixa. Partes da testa e do nariz foram recuperada­s
FABIO MOTTA/ESTADÃO Dentro de uma caixa. Partes da testa e do nariz foram recuperada­s

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil