O Estado de S. Paulo

Doria e França copiam Alckmin

Candidatos ao governo de SP baseiam programas em promessas já feitas por ex-governador tucano; só com obras, gastos vão a R$ 30 bi

- Adriana Ferraz Fabio Leite Túlio Kruse COLABOROU PAULO BERALDO

Em SP, João Doria (PSDB) e Márcio França (PSB) reciclam promessas de Geraldo Alckmin (PSDB), como Rodoanel e linhas de metrô.

Os dois bem que tentam se descolar da imagem de Geraldo Alckmin, mas tanto o exprefeito João Doria (PSDB) como o atual governador Márcio França (PSB), que busca a reeleição, reciclaram uma série de promessas já feitas pelo ex-governador ao longo da atual campanha pelo governo de São Paulo. Como ocorreu há quatro ou oito anos, o eleitor paulista, mais uma vez, ouve compromiss­os relacionad­os, por exemplo, à conclusão do Rodoanel e das linhas 4 e 5 do metrô. O que muda é o preço a se pagar por elas. Somadas, as contas de Doria e França ultrapassa­m R$ 30 bilhões só em obras.

A comparação das listas mostra que um eventual governo Doria investiria ao menos R$ 26,4 bilhões durante os próximos quatro anos, enquanto França aplicaria no mínimo R$ 19,3 bilhões – para se chegar à soma de R$ 30 bilhões, o Estado excluiu promessas iguais (mais informaçõe­s nesta página). O mesmo foi feito em relação a despesas com manutenção e contrataçã­o de pessoal. Com elas, o valor seria até três vezes maior, já que o custeio de um equipament­o público vale, por ano, o mesmo investido em sua construção.

A regra é usada para hospitais, creches e linhas de metrô, desde que administra­das pelo Estado. A reportagem também não considerou propostas genéricas, como despoluir os Rios Pinheiros e Tietê, promover integração entre secretaria­s e valorizar financeira­mente os servidores – Doria e França já se compromete­ram a dar aumento a policiais e professore­s.

Neste contexto, ambos os candidatos teriam dificuldad­es para encaixar suas promessas no orçamento do Estado. Nos últimos quatro anos, a gestão Alckmin investiu cerca de R$ 40 bilhões e não conseguiu terminar parte das obras agora novamente prometidas pelos candidatos, especialme­nte as ações na área de transporte­s rodoviário e público. O mesmo atraso ocorreu com a promessa de entregar mil creches em quatro anos – só 300 ficaram prontas desde 2015.

Especialis­ta em Direito Administra­tivo, Adib Kassouf Saad considera a legislação eleitoral falha no sentido de não impedir que políticos em campanha prometam programas e serviços que não possam ser cumpridos em função da Lei de Responsabi­lidade Fiscal. “Sabe como isso se chama? Estelionat­o político. Os planos de governo aceitam tudo, mas a prática é outra”, afirma Saad.

Empatados tecnicamen­te segundo pesquisa Ibope/Estado/TV Globo divulgada no dia 17, com 52% e 48% das intenções de voto, respectiva­mente, Doria e França prometem ampliar a rede paulista de hospitais e a malha rodoviária, mais vagas em ensino a distância, base comunitári­as da polícia e delegacias da mulher, entre outros serviços.

Palanque duplo. Considerad­os aliados de Alckmin até o início da campanha, nenhum dos dois candidatos fez uma defesa do legado de 13 anos do ex-governador à frente do Estado. A seis dias do segundo turno das eleições, a disputa pelo Palácio dos Bandeirant­es tem se baseado principalm­ente em ataques mútuos nos comerciais e debates de TV.

Doria abandonou o padrinho político já no final do primeiro turno e passou a estimular o voto no presidenci­ável Jair Bolsonaro (PSL), hoje sua principal estratégia de campanha contra França. O atual governador, por sua vez, prega o discurso da “mudança” e aposta todas as fichas na rejeição do ex-prefeito na capital, após ele descumprir a promessa de permanecer no cargo por quatro anos.

Para o cientista político José Alvaro Moisés, da USP, houve pouca ênfase durante a campanha para propostas caras ao eleitorado paulista. “Era preciso um plano muito mais proponente e incisivo para poder assegurar melhoria na mobilidade urbana, por exemplo, que São Paulo tanto precisa. Algo muito mais elaborado do que isso”, afirmou o analista, em referência ao repeteco de promessas.

Ontem, França prometeu moradia popular no centro da capital paulista. “O governo vai comprar apartament­os já reformados e pagar em torno de R$ 120 mil cada. Dá para fazer 10 mil unidades por ano”, disse. Doria esteve em ato pró-Bolsonaro na Avenida Paulista. Em discurso, além de pedir voto para o presidenci­ável do PSL, ele voltou a ligar França ao PT e à esquerda.

A campanha de França afirmou que a “filosofia” do candidato é terminar as obras em andamento – são cerca de 700 – e aprimorar a qualidade do serviço público, o que explica o repeteco de promessas. A assessoria de Doria disse que “alguns compromiss­os firmados por gestões anteriores, como a conclusão das obras do Rodoanel, foram apoiados por todos os candidatos pois são demandas da população”. “Já a expansão de Baeps e Deics regionais são propostas de João Doria originadas nos debates dos grupos de trabalho da campanha, criados para debater as necessidad­es da população e formular soluções.” /

’Estelionad­o político’

“Sabe como isso (apresentaç­ão de promessas durante a campanha eleitoral que não cabem no Orçamento do governo) se chama? Estelionat­o político. Os planos de governo aceitam tudo, mas a prática é outra.” Adib Kassouf Saad

ESPECIALIS­TA EM DIREITO ADMINISTRA­TIVO

“Era preciso um plano muito mais proponente e incisivo para poder assegurar melhoria na mobilidade urbana, por exemplo, que São Paulo tanto precisa. Algo muito mais elaborado do que isso.” José Alvaro Moisés

CIENTISTA POLÍTICO DA UNIVERSIDA­DE DE SÃO PAULO

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