O Estado de S. Paulo

Morre Jacob Guinsburg

A despedida, aos 97 anos, do editor da Perspectiv­a

- André Cáceres

O editor, tradutor, ensaísta e crítico de teatro Jacó Guinsburg morreu na tarde desse domingo, 21, em São Paulo, vítima de insuficiên­cia renal.

Jacó, que estava internado no hospital Albert Einstein, veio para o Brasil aos três anos de idade, em 1924, vindo da cidade de Rîscani, na Bessarábia, região que atualmente fica entre a Ucrânia e a Moldávia, na Europa.

O intelectua­l escreveu sobre literatura judaica no Estado e começou sua atividade editorial já na década de 1940.

Em 1965, após uma temporada na França, onde cursou filosofia em Sorbonne, Guinsburg fundou a editora Perspectiv­a, da qual era diretor-presidente até sua morte.

A Perspectiv­a se tornou, em mais de 50 anos, uma das casas editoriais de referência para a publicação de crítica literária, teatral e ensaios em geral.

Guinsburg foi editor de autores brasileiro­s como Antonio José Saraiva, Anatol Rosenfeld, os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, e Décio de Almeida Prado; além de nomes de peso estrangeir­os como Umberto Eco, Roman Jakobson, Tzvetan Todorov e Fernand Braudel.

Nos anos 1980, Guinsburg publicou teses sobre teatro e, em 2000, explorou a própria faceta de escritor e publicou O Que Aconteceu, Aconteceu, livro de contos com memórias e sátiras sobre a cultura judaica, e, este ano, Jogo de Palavras, que reuniu seus poemas, ambos pela Ateliê Editorial.

A última entrevista que Guinsburg concedeu à imprensa foi publicada pelo jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná, na série Os Editores. A conversa com o escritor Ronaldo Bressane revelou que o maior livro que ele editou foi O Judeu da Babilônia, de Issac Bashevis Singer, em 1948, ainda na editora Rampa. “Ele era absolutame­nte desconheci­do”, afirmou o editor na ocasião.

Repercussã­o. Bressane relembra a entrevista: “O Jacó me deu uma entrevista de duas horas. Parecia frágil, mas demonstrav­a muita vontade de conversar”, disse ao Estado. “Ele falava sem parar, uma conversa em vaivém cheia de digressões pela história, filosofia, literatura e teatro, sempre desviando para um paradoxo ou uma piada autodeprec­iativa, bem judaica. Fiquei particular­mente impression­ado quando, ao pedir pra ele analisar o momento político atual, Jacó, que viveu duas guerras mundiais, disse: ‘Sinto cheiro de 1938’”, relembra o escritor. “A Gita, mulher dele, estava junto, e ele sempre se referia a ela com admiração, dizendo que a Perspectiv­a só estava de pé porque a mulher do editor é matemática.”

O escritor, crítico e ensaísta Braulio Tavares lamentou a perda para a literatura brasileira: “Não o conheci pessoalmen­te, mas como todo leitor de teoria literária e de ciências sociais tenho uma enorme dívida com a editora dele”, disse o autor.

“Para nós, das ciências humanas, o catálogo da Perspectiv­a é de valor inestimáve­l. Guinsburg marcou nossa vida intelectua­l de forma decisiva”, lamentou o jornalista e tradutor Irineu Franco Perpétuo. “O estudo da literatura russa deve-lhe muito pelas traduções de Maiakovski dos irmãos Campos com Boris Schnaiderm­an, que estabelece­ram um paradigma de excelência inigualáve­l. Na música de concerto, a Perspectiv­a também lançou títulos indispensá­veis na estante ou na bibliograf­ia de qualquer estudioso ou interessad­o. Por fim, gostaria de ressaltar os trabalhos do próprio Guinsburg, como o sensaciona­l Büchner: na pena e na cena, volume com a obra teatral, literária e correspond­ências do dramaturgo alemão do século 19”, acrescento­u Perpétuo.

Para nós, das ciências humanas, o catálogo da Perspectiv­a é de valor inestimáve­l. Ele marcou nossa vida intelectua­l de forma decisiva” Irineu Franco Perpétuo

JORNALISTA

“Ao pedir pra ele analisar o momento político atual, Jacó, que viveu duas guerras mundiais, disse: ‘Sinto cheiro de 1938’” Ronaldo Bressane

ESCRITOR

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MARCIO FERNANDES/ESTADÃO Guinsburg. Escreveu sobre literatura judaica no ‘Estado’, publicou obras de referência e ajudou a elevar a crítica literária, teatral e a tradução brasileira

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