O Estado de S. Paulo

Modigliani traz suas surpresas a SP

Quarteto de cordas francês faz três apresentaç­ões na temporada 2018 da Sociedade de Cultura Artística

- João Marcos Coelho ESPECIAL PARA O ESTADO

O quarteto de cordas francês Modigliani faz três apresentaç­ões em São Paulo de amanhã a quarta-feira – uma na Sala São Paulo na terça e duas no auditório do MASP, amanhã e quartafeir­a –, na temporada 2018 da Sociedade de Cultura Artística. A diversidad­e e inteligênc­ia de repertório, além do modo como o quarteto de cordas francês faz um trabalho conjunto com a Camerata Aberta – em boa hora ressuscita­da, agora como cooperativ­a independen­te, já que ao poder público não parece mesmo interessar a música do nosso tempo –, aponta para quem sabe um novo e bem-vindo modelo de diálogo entre as atrações internacio­nais e músicos e grupos brasileiro­s.

O formato dos concertos gratuitos do Modigliani com a Camerata Aberta no MASP é particular­mente significat­ivo: obras representa­tivas da produção contemporâ­nea nas quais participa o Modigliani – como Terra Memoria e Notes on Light de Kaija Saariaho, 66 anos, uma das mais qualificad­as compositor­as contemporâ­neas – com um clássico do século 20, Octandres, de 1923, de Edgard Varèse. E obras de quatro compositor­es brasileiro­s, distribuíd­as entre os dois concertos: amanhã, 22, Terceira Margem do Rio, de Valéria Bonafé, 34 anos, e Telluris, de Alexandre Lunsqui, 49 anos; e na quarta-feira, 24, Ijareheni, de Tatiana Catanzaro, 42 anos, e Antiphonas, de Rodrigo Lima, 45 anos. Dois convidados internacio­nais completam a Camerata: a violonceli­sta Diana Ligeti e o regente Guillaume Bourgogne.

Os programas refletem com rigor os propósitos que nortearam a Camerata Aberta durante seus anos de atuação como grupo permanente da Escola de Música do Estado de São Paulo: em cada concerto, uma obra clássica do século 20, obras internacio­nais e criações brasileira­s. Ponto para Sérgio Kafejian, diretor artístico do grupo.

Os Modigliani trouxeram na frasqueira outro diferencia­l que pode passar desaperceb­ido. O programa parrudo na Sala São Paulo inclui o quarteto de cordas no. 3, opus 67, de Johannes Brahms (1833-1897) e abre com o Movimento Lento para Quarteto de Cordas de Anton Webern num tempo em que ele ainda era bem comportado. E, para interpreta­r o maravilhos­o Quinteto para piano e cordas opus 34 de Brahms, convocaram como parceiro um músico excepciona­l e ainda pouco conhecido: o israelense Matan Porat, 36 anos.

Ex-aluno de Maria João Pires e Murray Perahia, Porat é pianista mas também compositor. Uma de suas criações mais interessan­tes é Night Horses, de 2010, baseada num trecho de palestra do escritor argentino Jorge Luís Borges, La Pisadilla, ou o pesadelo (disponível no google). Exatamente quando este acena com a ambiguidad­e da palavra inglesa para significar pesadelo: nightmare, “que para nós”, diz Borges, “quer dizer égua da noite. Shakespear­e entendeu assim. Há um verso dele que diz ‘eu conheci a égua da noite’. Vê-se que ele a concebe como uma égua. Há outro poema em que já diz deliberada­mente ‘the nightmare and her nine foals’, ou o pesadelo e seus nove potros, onde ele a vê como uma égua também”. Porat constrói a peça para clarinete, violino, celo e piano, a partir do sonho e depois explora as sensações tão bem descritas por Borges (disponível no youtube com o Israeli Chamber Project).

Ao piano, Porat é também, claro, original. Concebe seus CDs como playlists. Foi assim com o delicioso Variações sobre um tema de Domenico Scarlatti (Mirare,2013), em que parte da célebre Sonata K. 32, onde identifica o tema do lamento que perpassa a música por séculos. E segue este fio condutor atemporal, onde Mendelssoh­n sucede Janácek e Bartók é vestíbulo do intermezzo opus 116 no. 5 de Brahms. Uma odisseia que revisita até as Notations 8 de Boulez.

Há três meses, Matan Porat repetiu a dose, desta vez com o CD Lux (Mirare). Agora ele descreve um dia inteiro, da alvorada ao anoitecer. “Procurei palavras, cores, períodos, títulos”, diz o pianista, que começa com um canto gregoriano para a Missa Aurora.

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Repertório eclético. De Webern a Brahms, grupo deixa tudo o que faz vibrante

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