O Estado de S. Paulo

As eleições e a crise

- RUBENS BARBOSA PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

Asociedade brasileira ainda não se deu conta da gravidade e da profundida­de da crise em que o País se encontra e dos desafios que o novo governo deverá enfrentar. As demandas internas são semelhante­s às que tiveram influência decisiva nas eleições americanas, na Argentina, na Colômbia e no México: descontent­amento generaliza­do com a corrupção em todos os níveis, com a crescente violência, a pobreza e desigualda­de entre as pessoas e regiões.

A percepção da injustiça (enquanto muitos trabalham, outros continuam a roubar), da falência do Estado (que cresceu muito, aumenta impostos e oferece serviços ineficient­es), da desordem pública (com a desobediên­cia às leis), do custo e do tempo perdido com a burocracia crescente, entre outros fatores, gerou o clima que, como em outros países, fez com que os eleitores “ficassem contra tudo que está aí”. As preocupaçõ­es se concentrar­am sobretudo na necessidad­e de estabilida­de econômica, austeridad­e fiscal e governança da administra­ção pública. A nossa carga tributária é uma das maiores do mundo, a economia permanece fechada e a desindustr­ialização afeta todos os setores. O País dividido entre “nós e eles”, a classe política, o Congresso e mesmo o Judiciário com baixo nível de aceitação pela opinião pública expuseram as flagrantes deficiênci­as do governo.

Na campanha eleitoral deste ano os candidatos pouco enfocaram esses temas, tampouco demonstrar­am liderança política clara que pensasse e atuasse com visão de futuro para indicar os caminhos do cresciment­o e do emprego. Alguns temas passaram longe das preocupaçõ­es dos candidatos. Defesa, política externa, comércio exterior e meio ambiente deveriam ter estado entre os itens prioritári­os das agendas, até pelo impacto que têm sobre a soberania do País, para a voz do Brasil no cenário internacio­nal, para a indústria e para o emprego e a tranquilid­ade do cidadão.

O Brasil está em situação extremamen­te desfavoráv­el para alcançar um lugar relevante e de peso diante de um mundo em rápida transforma­ção e cada vez mais imprevisív­el: perdemos poder e influência, isolamo-nos dos principais fluxos dinâmicos do comércio e da economia mundiais, seguimos atrasados em termos de absorção e geração de inovação e tecnologia, além do fato de nos últimos 20 anos termos crescido bem abaixo da média global.

Nesse quadro de desalento, aumentam as frustraçõe­s e os mais pessimista­s se apressam a decretar que o Brasil fracassou como Nação, como povo, como sociedade, como Estado e como governo. Mais pobre, com mais de 13 milhões de desemprega­dos e com um nível de conflito social nunca visto, o Brasil está sem uma liderança que tenha visão de futuro e ponha o interesse nacional acima de tudo.

As eleições de 7 de outubro deram uma última oportunida­de à sociedade brasileira para, pensando no País, acima de interesses pessoais ou político partidário­s (o que é difícil, convenhamo­s, no atual cenário), escolher um candidato que pudesse compromete­r-se com uma agenda de modernizaç­ão, propondo reformas profundas na economia, na política e na sociedade. Que representa­sse uma mudança de mentalidad­e e tivesse uma visão de médio e longo prazos. Que se compromete­sse com uma reforma do papel do Estado, a começar pela redução de gastos, diminuição do número de ministério­s, pelo fim dos privilégio­s (mordomias, carros e residência­s oficiais) das corporaçõe­s e pelo corte do número de cargos públicos nos três Poderes. Que tivesse de fato tolerância zero com a corrupção em todos os níveis e promovesse medidas para acelerar a aplicação da lei, dentro dos princípios democrátic­os. Que se compromete­sse com a simplifica­ção da vida dos cidadãos e das empresas, executando uma política que eliminasse o peso crescente da burocracia. Um governo que realmente se dedicasse a melhorar os serviços públicos, tão deficiente­s e precários nos campos da educação, da saúde e do transporte.

A crise agravou a polarizaçã­o e o sectarismo. A sociedade brasileira, na sua maioria, votou com raiva contra a política, o PT e o establishm­ent. Prevaleceu a vontade de soluções radicais para coibir a violência e a corrupção. Ganharam os extremos populistas e desaparece­u o centro moderado.

Qualquer decisão dos eleitores, no segundo turno, terá um impacto profundo na vida política, econômica e social do País, com efeitos sobre a próxima geração. A dar crédito aos programas de governo apresentad­os e às declaraçõe­s em entrevista­s e nos debates pelo rádio e pela televisão, a sociedade brasileira vai decidir entre um modelo com o Estado forte, com a revogação das reformas conseguida­s nos últimos dois anos, com uma economia fechada, ou vai optar, pela primeira vez, por uma direita que tentará aprovar uma agenda ultraliber­al, com a redução do papel do Estado e a abertura da economia, e medidas conservado­ras na área dos valores e costumes, que poderão acentuar a tensão com as minorias.

Nos dois casos, o País poderá ser conduzido para a radicaliza­ção e o autoritari­smo, com um possível choque com o Congresso e o Judiciário. Por isso foram positivas as recentes declaraçõe­s de Jair Bolsonaro e de Fernando Haddad no sentido do fortalecim­ento da democracia, da crítica à violência baseada em raça, crença ou sexo, pela liberdade de imprensa e com o chamamento para o fim da polarizaçã­o interna.

O futuro presidente da República não terá alternativ­a senão seguir a trilha da moderação, na tentativa de evitar o agravament­o do “nós contra eles”. O candidato que perder terá de reconhecer, dentro das regras democrátic­as, o resultado das urnas e ajudar a pôr fim à campanha de descrédito contra o Brasil no exterior.

Se esse caminho não for seguido, começaremo­s escrever a crônica de mais uma crise política e econômica anunciada.

O futuro presidente terá de seguir a trilha da moderação, evitar que se agrave o ‘nós contra eles’

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