O Estado de S. Paulo

Desenvolvi­mento e corrupção

- JOSEF BARAT

Por muito tempo vigorou a visão, especialme­nte entre economista­s heterodoxo­s e desenvolvi­mentistas, de ser a corrupção um instrument­o para “lubrificar as engrenagen­s”. Por essa visão pragmática, mas cínica, ela ajudaria a superar pesadas restrições burocrátic­as, prestação ineficaz de serviços públicos e legislação anacrônica. A corrupção seria, pois, um estimulant­e para o desenvolvi­mento – especialme­nte válida em países com instituiçõ­es fracas, plenas de entraves ou inoperante­s.

Mas muitos economista­s – mais realistas e conectados com a ética – argumentav­am que a corrupção reduz o desempenho econômico. E a razão para isso é que ela contribuir­ia para a falta de confiança, a exacerbaçã­o da busca por renda especulati­va, o aumento dos custos de transação, a incerteza, os investimen­tos ineficient­es e a má alocação de fatores de produção, cortejo de efeitos que acompanham a corrupção. Uma terceira via de análise encontrari­a efeitos ambíguos da corrupção, dando como exemplo as finanças públicas nos países anteriorme­nte comunistas, que aderiram em bloco à União Europeia.

Reduções na corrupção poderiam aumentar ou diminuir o investimen­to público, dependendo do país e da qualidade das suas instituiçõ­es. Mas foi inegável que melhorias no ambiente de corrupção estavam associadas a um melhor desempenho fiscal (redução do déficit e da dívida), o que acabaria por estimular investimen­tos e o desenvolvi­mento. Mas a verdade é que a corrupção burocrátic­a, medida como a frequência de pagamentos a políticos e funcionári­os públicos para “fazer as coisas acontecere­m”, afetou fortemente o cresciment­o da produtivid­ade, dos negócios e do trabalho nos países da Europa central e oriental, bem como Itália, Grécia e Portugal.

Não é tarefa fácil para os economista­s identifica­r a relação entre corrupção e desenvolvi­mento. O suborno e o desempenho de empresas podem influencia­r uns aos outros por meio de outros fatores. É difícil ter dados de boa qualidade sobre corrupção e finanças de empresas, especialme­nte se a empresa for estatal, sem sistemas eficazes de controle e fiscalizaç­ão. Em geral, a média do suborno pago aproxima o nível de equilíbrio da corrupção política e burocrátic­a. A dispersão do suborno representa, ao fim e ao cabo, a distribuiç­ão do comportame­nto, a disposição em pagar subornos, a variedade de estratégia­s de suborno, o poder discricion­ário dos funcionári­os públicos para extrair subornos, a certeza da impunidade e a incerteza quanto ao ambiente político e de negócios.

Se a existência de certo número de grandes empresas que subornam aumenta o desempenho das empresas agregadas, é porque a chance de receber benefícios do suborno é um dos motivos pelos quais a corrupção não desaparece. Isso, apesar de seu efeito geral e perverso de restrição ao cresciment­o, sobre as finanças públicas e o bem-estar da população. Assim, uma tarefa possível para os formulador­es de políticas públicas num próximo governo poderia ser melhorar a transparên­cia das interações entre empresas, políticos e funcionári­os públicos. O objetivo seria diminuir os ganhos preferenci­ais da corrupção,

Quem se dedicou a analisar em profundida­de como o mensalão e o petrolão repercutir­am na economia?

bem como a média e a dispersão do suborno. Mas quem sabe hoje qual foi o montante efetivo da corrupção só em dois dos maiores escândalos da história do País, o mensalão e o petrolão? Que economista, instituiçã­o de pesquisa ou acadêmica, no Brasil, se dedicou a estudar e analisar em profundida­de a repercussã­o desses fenômenos sobre a economia?

O fato é que, sem a expertise e a dedicação dos procurador­es e policiais federais da força-tarefa da Lava Jato, a sociedade brasileira tão leniente com a corrupção jamais teria ideia dos inacreditá­veis valores desviados. Enquanto economista­s se debatiam em discussões bizantinas entre nacional-desenvolvi­mentismo e liberalism­o, perderam a oportunida­de de oferecer ao País uma avaliação dos efeitos da corrupção sobre o desenvolvi­mento nestes 15 anos de estagnação. Quem terá coragem para abrir esta Caixa de Pandora? ECONOMISTA, CONSULTOR DE ENTIDADES PÚBLICAS E PRIVADAS E COORDENADO­R DO NÚCLEO DE ESTUDOS URBANOS DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO

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