O Estado de S. Paulo

Vendedores de sonhos

- E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS

Chegamos ao fim de mais uma campanha eleitoral. Apesar de curta, esta foi talvez a mais intensa delas. Pela polarizaçã­o, pela intolerânc­ia e também pela agressivid­ade de uma militância cega de ambos os lados. As redes sociais deram voz e palco a ofensas, ataques pessoais e a muito ódio. Mas, felizmente, estamos chegando ao fim. Entre mortos e feridos, estamos todos aqui. Só não dá para dizer que salvos.

A partir da próxima segunda-feira, portanto, quem quer que seja o presidente eleito, ele terá de se desvestir das promessas vazias e enfrentar a realidade de um país em crise. Foram 45 dias de promessas criativas, de números jogados ao vento, de soluções mirabolant­es e de muitas propostas populistas, várias inexequíve­is e irresponsá­veis.

Agora ao fim surgiram algumas mais desesperad­as do que outras, como por exemplo, a de aumentar o Bolsa Família em 20% e de congelar o preço do gás. Essas chegaram já no apagar das luzes da candidatur­a petista. Na tentativa de angariar votos que desaparece­ram na onda de rejeição que vem canalizand­o votos para o adversário, o PT busca resgatar os truques que levaram o País à bancarrota mas que, aos ouvidos de uma população que sofre com o desemprego, soa como música. O que vale é vender sonhos, mesmo que sejam os mesmos sonhos que nos jogaram no atual pesadelo.

Pelo outro lado, também há os arroubos populistas. O 13.º para o Bolsa Família surgiu da mesma espinha – afinal, é apenas uma forma mais criativa e menos óbvia de prometer um aumento real no benefício. Mas, há que se reconhecer, aqui são ao menos mais responsáve­is no discurso econômico. Ainda assim, os sonhos desse lado vêm embalados em soluções fáceis e rápidas. A começar pela zeragem do déficit público em um ano com a ajuda de privatizaç­ões que renderão R$ 1 trilhão de receitas que não se sabe de onde sairão. A promessa desconside­ra que o déficit é recorrente – e o problema é muito mais de fluxo do que de estoque. A última vez que confundimo­s fluxo e estoque caímos no pesadelo do confisco da poupança do governo Collor.

Mas há também bons sonhos, como o de se cobrar mensalidad­es em universida­des públicas de quem pode pagar. Medida necessária e justificáv­el num país tão desigual, recordista de gastos com o ensino superior e carente de investimen­tos na qualidade do ensino básico gratuito. Inverter essa equação significa mudar um sistema perverso, que reserva aos ricos as vagas nos cursos superiores gratuitos, reforçando ainda mais a desigualda­de.

Um sonho básico e que ninguém vendeu foi o da reforma do Estado. Base para tudo o que se discute e se promete, passou ao largo das propostas dos dois finalistas. No máximo passaram na tangente, com uma discussão de redução de ministério­s e com a retórica da privatizaç­ão. Mas o sonho todo ninguém vendeu, nem sequer sonhou.

Mas a verdade é que a realidade é complexa. Há sonhos impossívei­s, vendidos para ludibriar e conquistar votos. Há sonhos possíveis e necessário­s, cujas dificuldad­es estão minimizada­s num discurso que subestima um sistema que está montado para resistir.

Chegamos à reta final desta eleição surreal sabendo muito pouco sobre o que de fato é real de tudo que se tem debatido – e menos ainda o que o novo presidente conseguirá fazer dado o poder de um Congresso em grande parte fisiológic­o, inexperien­te e muito sensível às pressões corporativ­istas.

A verdade é que o Brasil já passou por momentos e situações muito complicada­s. Já tivemos a hiperinfla­ção, já fomos muito mais vulnerávei­s em momentos de grandes crises externas, já sofremos um confisco de poupança, já tivemos de recorrer ao FMI por falta de alternativ­a melhor. Sobrevivem­os a vários planos econômicos que não deram certo e a uma orientação criativa de política econômica que quebrou o País subvertend­o os conceitos econômicos em nome de uma tal nova matriz. Chegamos no fundo do poço e cavamos mais fundo várias vezes. E cá estamos de novo.

Na próxima semana, estaremos acordando dessa campanha. Ali começaremo­s a entender para onde nos levarão os sonhos que, na decisão de domingo, escolhemos comprar.

Chegamos no fundo do poço e cavamos mais fundo várias vezes

ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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