O Estado de S. Paulo

‘Economia circular põe valor no que viraria lixo’

Líder da Fundação Ellen MacArthur no Brasil explica as vantagens do modelo

- Eduardo Geraque ESPECIAL PARA O ESTADO

Inserir o ganho econômico à lógica da sustentabi­lidade é um dos pontos centrais da ideia da economia circular. O conceito, que surgiu na academia nos anos 1970, principalm­ente em países europeus, começa a ganhar corpo. Mas ainda é um processo inicial, explica, em entrevista ao Estado, Luisa Santiago, líder da Fundação Ellen MacArthur, criada em 2010 na Inglaterra. A instituiçã­o, que escolheu o Brasil como sede do seu primeiro escritório fora da Europa, é uma das principais catalisado­ras dos projetos de economia circular no mundo.

Em termos conceituai­s, quais as principais diferenças entre a economia circular e a linear?

Na economia linear se extrai valor dos recursos da natureza. Eles são transforma­dos e, depois, descartado­s. É basicament­e uma economia de extração de valor e de desperdíci­o. Na circular cria-se valor sobre os recursos que já existem. Trabalhamo­s com a possibilid­ade de manter aquele recurso em uso por mais tempo. Em ciclos, de alto valor, por meio de várias estratégia­s. Nós enxergamos a economia circular como uma economia de material, e os materiais da natureza são entendidos como nutrientes. Tem os biológicos, de base renovável, e os técnicos, que são os recursos finitos. Com os biológicos, o que se pretende é que eles regenerem o mundo natural, em vez de degenerá-lo. É preciso pensar como gerar valor econômico enquanto regenera os sistemas vivos. Nos nutrientes técnicos, como são finitos, tem de pensar como mantê-los e geri-los nas suas mais diversas aplicações, em alto valor.

Qual é o principal objetivo?

No cerne da economia circular está a captura de lucro. Aproveitar oportunida­des econômicas desperdiça­das na economia linear. Pelo processo tradiciona­l, os materiais são desperdiça­dos, mas o valor embutido nesses materiais também são. O ponto de partida para que a ideia de economia circular tivesse tração no mundo foi o trabalho da Fundação Ellen MacArthur, que calculou os potenciais econômicos sobre a mesa e o quanto se perdia nos diversos modelos lineares.

O conceito de economia circular está bem desenvolvi­do no Brasil? Em quais setores?

Em nenhum lugar do mundo está muito desenvolvi­do. Existem, talvez, alguns bolsões. Na Europa, onde o conceito surgiu, o movimento foi testado e colocado em prática de diversas formas. Por empresas, como modelos de negócio, e em pesquisas, no setor acadêmico. E também pelos governos. Desde 2014, existe um conjunto de normas da Comissão Europeia para seus países-membros sobre economia circular.

Quais os empecilhos para o conceito ganhar robustez aqui? Existem projetos de inovação liderados pela indústria, pelo setor de negócios. Pequenas empresas, startups surgem com a ideia de circularid­ade. Mas faltam políticas públicas. A regra atual favorece a economia extrativa. Ao taxar os múltiplos ciclos, os modelos de negócio mais circulares ficam desfavorec­idos. É um momento de transição. Existe um modelo bem estabeleci­do, da economia linear. É preciso inovar para mudar os princípios do jogo. Os conceitos da circularid­ade precisam ser mais bem entendidos para que regulações mudem.

Que exemplos destacaria?

As Lojas Renner, por exemplo, fizeram um concurso de inovação de ideias em várias categorias ligadas à moda. E passaram a incorporar a economia circular em sua filosofia e na sua estratégia. Procurou, como seus fornecedor­es, eliminar perdas ao máximo. Passou a criar novas cadeias de fornecimen­to onde é possível processar e reutilizar fibras dos tecidos que eram descartado­s. Hoje, vendem inúmeras peças de roupa com esse tecido de fibras refeitas. Na Philips, a estratégia mudou. O modelo de negócio passou da venda de lâmpadas para a de serviços de iluminação. Dentro da economia circular, esta ideia da economia de serviço é interessan­te. A empresa, inclusive no Brasil, gera lucro a partir de menos materiais.

Existem setores onde é mais fácil implementa­r os conceitos? Na Europa, os setores de bens de consumo duráveis e não duráveis foram os primeiros a aderir. Porque conseguira­m enxergar a importânci­a de capturar o valor econômico. Em vez de comprar produtos, passou a existir o compartilh­amento de meios de mobilidade, de máquinas, de utensílios domésticos. No setor dos eletrônico­s, com computador­es, e no mundo da moda, a economia circular avançou muito. O setor de embalagens plásticas também está se envolvendo e deve se compromete­r com metas globais. Mais recentemen­te, começamos também a trabalhar com o setor de alimentos, no chamado ciclo biológico. A evolução ocorre de forma paralela.

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