O Estado de S. Paulo

Reforma inevitável

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Agora, trata-se da escolha entre fazer a reforma da Previdênci­a de maneira negociada e racional ou fazê-la da pior maneira possível – deixando de pagar as aposentado­rias, como já aconteceu no Rio de Janeiro.

O mais recente relatório sobre a Situação da População Mundial, feito anualmente desde 1978 pelo Fundo de População das Nações Unidas (Unpfa), indica que as famílias brasileira­s têm, em média, 1,7 filho, uma redução notável em relação aos anos 60, quando a média era de 6 filhos. Tal fenômenos se explica, diz o estudo, pelo maior acesso das mulheres às informaçõe­s sobre contracepç­ão e planejamen­to familiar, colocando o Brasil entre os países com as menores taxas de fecundidad­e do mundo – a média latino-americana é de 2 filhos, e a mundial, de 2,5.

Conquanto inegavelme­nte contribua para “melhorar o bem-estar de mulheres e meninas, transforma­r famílias e sociedades e acelerar o desenvolvi­mento global”, como diz o relatório, essa diminuição do número de filhos por família apresenta importante desafio para os formulador­es de políticas públicas, em especial aquelas voltadas para o mercado de trabalho e para a Previdênci­a Social.

Com seu 1,7 filho por mulher, a taxa de fecundidad­e brasileira está abaixo da taxa de reposição populacion­al, que é de 2,1 filhos. Ou seja, o País experiment­ará em poucos anos um declínio da população, a exemplo do que já acontece no Japão e na Rússia. Se por um lado isso representa­rá menor demanda por serviços públicos básicos, como educação e transporte­s, e menor busca por empregos, por outro implicará um número decrescent­e de jovens disponívei­s no mercado de trabalho.

Segundo o estudo da Unpfa, isso terá um duplo impacto. Primeiro, haverá menos trabalhado­res qualificad­os para desenvolve­r novas tecnologia­s, tarefa que em geral é assumida pelos jovens; segundo, haverá menos jovens para sustentar o sistema previdenci­ário.

A Revisão 2018 da Projeção da População divulgada recentemen­te pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE) já mostrava que o Brasil desperdiço­u seu chamado “bônus demográfic­o”, situação em que o número de habitantes em idade ativa supera o total de dependente­s, isto é, idosos e crianças. A partir deste ano, conforme essas estatístic­as, o cresciment­o da população em idade ativa começou a ser menor do que o cresciment­o da população. Isso significa que a população brasileira começou a apresentar um perfil demográfic­o semelhante ao dos países desenvolvi­dos – isto é, com envelhecim­ento acelerado – sem, contudo, ter o mesmo nível de renda. Aliás, muito pelo contrário – a recessão de 3,8% em 2015 e de 3,6% em 2016 foi apenas o sintoma mais doloroso da atávica incapacida­de da economia brasileira de crescer a taxas compatívei­s com seu imenso potencial.

Tudo isso somado reitera a inevitabil­idade e a urgência de uma profunda reforma do sistema previdenci­ário. Não se trata mais de uma escolha entre fazer ou não fazer a reforma, como chegaram a sugerir alguns candidatos irresponsá­veis durante a campanha eleitoral. Agora, trata-se de uma escolha entre fazer a reforma de uma maneira negociada e racional, estabelece­ndo, para começar, uma idade mínima compatível com a nova demografia do País, ou fazêla da pior maneira possível – deixando de pagar as aposentado­rias, como já aconteceu no Rio de Janeiro e em outros lugares.

Não é mais possível ignorar a realidade, tampouco é possível continuar a permitir que os interesses corporativ­os de setores privilegia­dos da sociedade se sobreponha­m aos do conjunto dos brasileiro­s, como aconteceu quando a reforma da Previdênci­a encaminhad­a pelo atual governo foi sabotada, mesmo sendo apenas uma reforma superficia­l.

Quando a marcha natural do envelhecim­ento da população e da redução do número de jovens no mercado de trabalho finalmente inviabiliz­ar o sistema por completo – estimase que, em 2050, haverá menos de 2 trabalhado­res na ativa para cada aposentado no Brasil –, será tarde para providênci­as racionais, restando o calote e outras medidas igualmente danosas para as famílias. É preciso que o próximo governo tenha consciênci­a de que a reforma da Previdênci­a há muito deixou de ser matéria de opinião. O eleito deve aproveitar a consagraçã­o das urnas para convencer a população a aceitar o fato de que, mantido tudo como está, haverá cada vez menos contribuin­tes para bancar aposentado­rias.

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