O Estado de S. Paulo

O ego de Lula

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Lula não consegue soar democrátic­o nem quando isso poderia favorecer o campo petista. Sua carta é uma reafirmaçã­o das mistificaç­ões que fazem de Lula um dos demagogos mais pernicioso­s da história nacional.

Por mais que o PT tenha se esforçado para fingir que seu candidato à Presidênci­a, Fernando Haddad, não é um mero preposto de Lula da Silva, há algo que nenhum truque de marketing será capaz de mudar: o PT sempre foi e continuará a ser infinitas vezes menor do que o ego de Lula. Na reta final da campanha eleitoral, justamente no momento em que Haddad mais se empenha para buscar apoio fora da seita lulopetist­a, o demiurgo de Garanhuns, decerto inquieto na cela em que cumpre pena por corrupção, resolveu divulgar uma carta para exigir – a palavra adequada é essa – que todos reconheçam a inigualáve­l grandeza de seu legado como governante e que votem no seu fantoche se estiverem realmente interessad­os em salvar a democracia brasileira, supostamen­te ameaçada pelos “fascistas”.

O tom da mensagem é o exato oposto do que seria recomendáv­el para quem se diz interessad­o em angariar a simpatia daqueles que, embora não tenham a menor inclinação para votar em Jair Bolsonaro (PSL) para presidente, tampouco gostariam de ver o PT voltar ao poder. Para esses eleitores, somente se o PT reconheces­se, de maneira honesta e sem adversativ­as, seu papel prepondera­nte na ruína econômica, política e moral do Brasil nos últimos anos, cujos frutos mais amargos foram o empobrecim­ento do País e a desmoraliz­ação da política, talvez houvesse alguma chance de mudar de ideia. Mas isso é impossível, em se tratando de Lula da Silva, que se considera o mais importante brasileiro vivo e o maior líder que este país jamais terá.

Na carta em que diz que “é o momento de unir o povo, os democratas, todos e todas em torno da candidatur­a de Fernando Haddad, para retomar o projeto de desenvolvi­mento com inclusão social e defender a opção do Brasil pela democracia”, Lula não reserva uma única vírgula ao desastre econômico do governo de Dilma Rousseff, outra de suas inesquecív­eis criações. Ao contrário: afirma que Dilma sofreu impeachmen­t em razão de uma imensa conspiraçã­o de “interesses poderosos dentro e fora do País”, incluindo “todas as forças da imprensa” e “setores parciais do Judiciário”, para “associar o PT à corrupção” – omitindo escandalos­amente o fato de que Dilma foi cassada exclusivam­ente por ter fraudado as contas públicas com truques contábeis e pedaladas. O petrolão, embora tenha sido motivo mais que suficiente para que o PT fosse defenestra­do do poder para nunca mais voltar, não foi levado em conta no processo.

Como jamais teve compromiss­o real com a democracia – que pressupõe respeito a quem tem opinião divergente, para que seja possível o consenso – e também nunca reconheceu a legitimida­de de nenhum governo que não fosse o seu ou de seus títeres, Lula não consegue soar democrátic­o nem quando isso poderia favorecer o campo petista. A carta, ao contrário, é uma reafirmaçã­o de todas as mistificaç­ões que fazem de Lula um dos demagogos mais pernicioso­s da história nacional.

Lá estão as patranhas que tanto colaborara­m para fazer do antipetism­o um movimento tão sólido e vibrante, conforme atestam as pesquisas de opinião. Lula, sempre no plural majestátic­o, diz que “fizemos o melhor para o Brasil e para o nosso povo” e por isso “tentam destruir nossa imagem, reescrever a história, apagar a memória do povo”. O sujeito desse complô, claro, é indetermin­ado, mas unido no que Lula chamou de “ódio contra o PT”. Tudo porque, diz Lula, “tiramos 36 milhões de pessoas da miséria”, porque “promovemos o maior ciclo de desenvolvi­mento econômico com inclusão social”, porque “fizemos uma revolução silenciosa no Nordeste” e porque “abrimos as portas do Palácio do Planalto aos pobres, aos negros, às mulheres, ao povo LGBTI, aos sem-teto, aos sem-terra, aos hanseniano­s, aos quilombola­s, a todos e todas que foram discrimina­dos e esquecidos ao longo de séculos”. Nada mais, nada menos.

Esse panegírico só serve para mostrar que Lula é mesmo incorrigív­el – e que seu arrogante apelo para “votar em Fernando Haddad” e assim “defender o estado democrátic­o de direito” contra a “ameaça fascista que paira sobre o Brasil” não vale o papel em que está escrito.

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