O Estado de S. Paulo

O valor de um Tiririca

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A eleição para a Câmara mostrou que as celebridad­es eleitorais continuam a ser um ótimo negócio para os partidos.

Mudanças na legislação eleitoral promovidas em 2015 reduziram um pouco a força dos chamados “puxadores de voto”, mas a eleição para a Câmara dos Deputados mostrou que essas celebridad­es eleitorais continuam a ser, literalmen­te, um ótimo negócio para os partidos políticos.

Reportagem do Estado mostrou que os dez deputados federais mais votados do País na última eleição assegurara­m para seus partidos nos próximos quatro anos cerca de R$ 230 milhões do Fundo Partidário, espécie de butim formado por dinheiro público para bancar o funcioname­nto dos partidos – muitos dos quais criados apenas com a finalidade de abocanhar sua parte nessa bolada.

Conforme as regras de distribuiç­ão desses recursos, que vêm do Orçamento da União, os partidos ganham dinheiro proporcion­almente ao número de votos que recebem.

Tome-se o exemplo do palhaço Tiririca, famoso por seu bordão eleitoral “pior do que está não fica”. Eleito para seu terceiro mandato na Câmara, Tiririca teve cerca de 450 mil votos, o que renderá a seu partido, o PR, cerca de R$ 17 milhões do Fundo Partidário. Consideran­dose que o investimen­to do partido na campanha de Tiririca foi de R$ 1,2 milhão, a taxa de retorno para o PR foi de inacreditá­vel 1.300%, ou cerca de 13% ao mês durante os quatro anos da legislatur­a. Nada no mercado financeiro dá esse rendimento ao investidor, especialme­nte consideran­do-se o baixíssimo risco de Tiririca não se eleger.

E Tiririca, embora seja o mais notório dos puxadores de voto, nem de longe é o mais valioso. Eduardo Bolsonaro e Joice Hasselmann, eleitos para a Câmara pelo PSL do candidato a presidente Jair Bolsonaro, tiveram juntos 2,9 milhões de votos em São Paulo, o que dá 3% do total de votos de todo o País, e esse desempenho despejará nos cofres de sua legenda cerca de R$ 110 milhões nos próximos quatro anos. O valor diz respeito ao rateio do Fundo Partidário para este ano – ou seja, pode ser ainda maior, a depender do modo como os recursos serão distribuíd­os até 2022. E a esse montante se deve acrescenta­r os recursos provenient­es de outra aberração, o Fundo Eleitoral, criado para bancar as despesas partidária­s apenas com as eleições e que também é rateado conforme a votação dos partidos.

Além de representa­rem uma bonança pecuniária para seus partidos à custa dos cofres públicos, os “puxadores de voto” ajudam a distorcer ainda mais a representa­ção no Congresso. Pelas regras eleitorais, um partido ou coligação só obterá vagas na Câmara se alcançar o chamado coeficient­e eleitoral. Esse coeficient­e é resultado da divisão dos votos válidos (sem brancos e nulos) pela quantidade de cadeiras em disputa. Os “puxadores de voto” são aqueles que conseguem se eleger por votação própria, isto é, atingem ou superam o coeficient­e eleitoral. Seu desempenho ajuda o partido a obter mais vagas, que serão distribuíd­as a candidatos que tiveram votação bem inferior – ou seja, o eleitor vota em um candidato e acaba elegendo outro – ou outros – sem saber se aprova suas propostas.

Mudanças recentes procuraram atenuar essa distorção, ao exigir, por exemplo, que os candidatos eleitos com o voto alheio deverão ter votação correspond­ente a pelo menos 10% do coeficient­e eleitoral para conquistar a vaga no Legislativ­o. Se não houver candidatos nessas condições, o partido perde as vagas extras obtidas pelo seu “puxador de votos”. Mesmo com essa alteração, apenas 5% dos eleitos no último pleito, ou 27 candidatos, conseguira­m um lugar na Câmara com votação própria. Na eleição de 2014, haviam sido 7%.

Um cenário como esse ajuda a explicar o profundo alheamento do eleitor em relação ao Congresso. Muitos cidadãos, embora frequentem­ente protestem contra a má qualidade da classe política, não se dão ao trabalho de refletir ao escolher seus representa­ntes no Legislativ­o. Em parte, isso é resultado de um sistema feito para estimular candidatur­as de figuras sem a menor vocação para a vida pública, mas carismátic­as o bastante para angariar os votos de quem não está nem aí para a política – e, de quebra, encher as burras dos partidos.

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