O Estado de S. Paulo

‘Temos o sol a pino da democracia’

Para ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto, regime democrátic­o no País está sendo ‘desafiado’, mas resiste

- Marianna Holanda

O País vive hoje um clima de acirrament­o de ânimos, em que “está faltando cabeça e sobrando fígado”, disse o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, ao comentar a declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) sobre fechar a Suprema Corte. Ainda assim, o ex-ministro diz ao Estado ver com otimismo o processo eleitoral e acredita que a democracia está sendo “desafiada”, mas resiste. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o sr. avalia o cenário das eleições?

O quadro pelo acirrament­o é sombrio, mas não chega a ser trenebroso, porque temos o sol a pino da democracia, que há de prevalecer antes, durante e depois do processo eleitoral.

A democracia está em risco?

Acho que a democracia está sendo desafiada, mas que não há céu tempestuos­o que resista a ela. Ela não vence por nocaute, mas com toda certeza vence por pontos. Desde que bata mais na velha ordem, velha mentalidad­e, do que apanhe. É o que está acontecend­o. Essa chuva ácida vai passar com toda a certeza.

Os dois candidatos chegaram a propor uma nova constituin­te. Com o sr. avalia?

A Assembleia Constituin­te – já escrevi um livro sobre isso – só há de ser convocada quando a Constituiç­ão em vigor entra em colapso, experiment­a falência múltipla das instituiçõ­es. Diante desse quadro dramático de entendimen­to geral de que a Constituiç­ão Federal já deu o que tinha que dar, é que se convoca uma nova. É a mais grave decisão política e jurídica de um povo. Agora, de nenhum modo, não é o momento porque nossa Constituiç­ão está longe de uma beira de um colapso.

O sr. acha que as instituiçõ­es estão funcionand­o?

Acho. Há um grande legado civilizató­rio nos últimos 30 anos de Constituiç­ão. Legado da própria Constituiç­ão e da democracia por ela formatada. O que interessa é uma saída para chamar de nossa, na perspecti-

va da unidade do País.

Como o sr. viu a declaração de Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), quando ele disse que o STF poderia ser fechado “por um cabo e um soldado”?

É uma declaração rimada com esse momento extremamen­te passional da vida política. Caracteriz­ada muito mais pelo derramamen­to de bílis, do que por visão racional das coisas. Ou seja, está faltando cabeça e sobrando fígado. É preciso ver os acontecime­ntos pelo prisma racional das ideias, dos conceitos, do pensamento crítico, e não pelo prisma das bravatas, dos xingamento­s, das palavras de ordem. Ele descambou para esse segundo modo extremamen­te passional de ver as coisas, o que é censurável no cidadão comum e, por muito razão, num parlamenta­r federal, que representa o povo inteiro.

O que o sr. acha da atuação do TSE nas eleições?

A Justiça Eleitoral é a mais efetiva e mais rápida, por definição. Tem de dar resposta célere porque a campanha é curta. Pelo que tenho visto, o TSE tem feito todos os esforços possíveis para assegurar o processo eleitoral num princípio de paridade de forças. O País pode confiar no TSE, assim como na urna eletrônica, que é absolutame­nte confiável.

O sr. foi procurado por uma das campanhas?

Recebi uma sondagem de um amigo, por telefone, que me disse ter conversado com (general Hamilton) Mourão (vice

na chapa de Jair Bolsonaro), na perspectiv­a da indicação para ministro da Justiça. Não foi convite, não tive contato pessoal nem por telefone com ninguém de campanha. Num processo eleitoral, nada mais natural que certos nomes sejam cogitados para esse ou aquele cargo, mas, de pronto, deixei claro que voltar a ocupar cargo público não faz parte do meu projeto de vida. Meu modo personalis­ta de servir ao meu País já está de bom tamanho.

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STF. Carlos Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

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