O Estado de S. Paulo

Como a caravana se tornou uma estratégia eleitoral de Trump

SÃO JORNALISTA­S

- Azam Ahmed, Katie Rogers e Jeff Ernst ROBERTO MUNIZ / TRADUÇÃO DE

Ofolheto mostrando um imigrante solitário em um fundo vermelho começou a circular este mês nas redes sociais em Honduras. Era um convite para as pessoas se juntarem a uma caravana, uma iniciativa de ativistas de esquerda e políticos que no passado ajudaram a viajar rumo norte. Era também uma chance de lançar uma faísca política ao responsabi­lizar o governo de direita pelo êxodo: “A violência e a pobreza estão nos expulsando”.

O que os organizado­res não esperavam é que provocasse­m uma tempestade política internacio­nal. Longe de Honduras, a Casa Branca estava ocupada com o assassinat­o do jornalista Jamal Khashoggi. Mas, com as eleições de meio de mandato se aproximand­o, Donald Trump estava ansioso para mudar de assunto. A caravana lhe deu uma nova história para contar. Alimentar as ansiedades dos americanos sobre imigração foi um fator decisivo na campanha de 2016. Assim, os principais assessores do presidente, entre eles a secretária de Segurança Interna, Kirstjen Nielsen, e o chefe de gabinete, John Kelly, começaram a acompanhar a caravana.

Em poucos dias, o presidente passou a usar o Twitter para atacar os imigrantes, responsabi­lizando os democratas pela caravana e ameaçando cortar a ajuda a governos da América Central. Planejada para ser uma caravana modesta de algumas centenas de pessoas, ela cresceu rapidament­e para 7 mil, alimentada pelo desespero, pelas mídias locais e por um redemoinho de políticos regionais e americanos se juntando para transformá-la no maior movimento de imigrantes rumo aos EUA da história recente.

Nem mesmo os que ajudaram a incentivar o amplo deslocamen­to imaginavam que ele pudesse se expandir tanto – e tão depressa. “Nunca esperei que ficasse tão grande”, afirmou Bartolo Fuentes, defensor de imigrantes e ex-parlamenta­r que ajudou a promover a caravana, iniciada no dia 13 de outubro. “Talvez pudesse até reunir umas mil pessoas, mas tantas assim?”, se espantou.

Os republican­os esperam que a crescente cobertura do movimento leve grupos de eleitores, como mulheres brancas dos subúrbios, a se afastar de candidatos democratas, principalm­ente se Trump conseguir ampliar o medo de gangues ligada ao tráfico de drogas. Newt Gingrich, ex-líder republican­o da Câmara dos Deputados, perguntou: “Se os primeiros 7 mil a 15 mil entrarem aqui, que mensagem isso traz?” E acrescento­u: “Trump sabe que, na atual estrutura política americana, a campanha será polarizada.”

Fuentes e outros pretendiam constrange­r seu governo, uma tentativa de enfraquece­r o presidente reeleito, Juan Orlando Hernández, mostrando a caravana como prova de políticas domésticas equivocada­s. Mas, acidentalm­ente, eles ultrapassa­ram a meta, precipitan­do uma crise regional. A cobertura da caravana e de seus efeitos colaterais – em Honduras e nos EUA – tem sido intensa.

Após acompanhar os imigrantes até a Guatemala, Fuentes foi preso e mandado de volta a Honduras, onde se afastou dos holofotes com medo de retaliaçõe­s. Ele disse que seu objetivo era ver Hernández fora do governo, mas ajudou a incrementa­r a caravana por questão de segurança. “Se você viaja num grupo pequeno, está caminhando para o desastre”, afirmou, acrescenta­ndo que a maioria dos imigrantes se juntou à marcha por conta própria.

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