O Estado de S. Paulo

Lisboa recusa seis brasileiro­s por dia

Ministério das Relações Exteriores observa ‘cresciment­o de brasileiro­s inadmitido­s nos primeiros meses de 2018 bastante significat­ivo’

- Luciana Alvarez ESPECIAL PARA O ESTADO / LISBOA

A cabeleirei­ra brasileira Michele Silva, de 32 anos, chegou a pensar em separação depois de ter sido impedida de entrar em Portugal em março. “Meu marido estava desemprega­do no Brasil, viajou como turista no fim do ano passado e em uma semana conseguiu trabalho na região de Lisboa”, conta. Quando ela foi fazer o mesmo caminho, cinco meses depois, acabou barrada. “Foi um trauma. Na hora tive crise alérgica e chorei a noite toda.”

A pressão migratória que levou o consulado de Portugal em São Paulo a suspender o recebiment­o de novos pedidos de cidadania também se vê no aumento “significat­ivo” de casos como o de Michele registrado­s pelo Itamaraty nos primeiros meses de 2018. Ontem, o Ministério das Relações Exteriores confirmou, em nota, que “o cresciment­o (de recusados) nos primeiros meses de 2018 foi bastante significat­ivo e o Consulado-Geral do Brasil em Lisboa tem transmitid­o às autoridade­s portuguesa­s a preocupaçã­o do governo brasileiro quanto ao aumento no número de casos”.

O ministério lembra que é direito de todo viajante barrado contatar o seu consulado. No caso de Portugal, há consulados em Lisboa, Porto e Faro. O órgão informou ainda que o Consulado-Geral de Lisboa mantém “diálogo constante com o Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras (SEF) de Portugal, com vistas a zelar pelo bem-estar dos turistas, e realiza visitas às instalaçõe­s destinadas aos inadmitido­s”.

Segundo dados levantados pelo jornal português Expresso, até o fim de agosto, 2.209 pessoas foram impedidas de entrar em território português no aeroporto internacio­nal de Lisboa, um aumento de 74% em comparação ao mesmo período de 2017. Desses, 1.655 eram brasileiro­s. Em média, 6 brasileiro­s são mandados de volta por dia.

Motivos. As duas causas principais de recusa – não é deportação porque a pessoa nem chega oficialmen­te a entrar no país europeu – são a ausência de um visto válido/adequado e a falta de comprovaçã­o da condição de turista. Para comprovar que se é turista, é necessário apresentar passagem de ida e de volta, local de alojamento e dinheiro para se manter durante o período de visita.

No caso de Michele, ela não conseguiu convencer o oficial da imigração portuguesa de que estava a turismo. Mas conseguiu se reencontra­r com o marido há três meses em Portugal – na segunda tentativa.

Já Valesca Nunes, de 41 anos, agradeceu por ter ficado apenas uma noite até ser “devolvida” ao Brasil, quando ela e o marido voltavam para Portugal em janeiro. “Já fiz trabalhos em presídio e posso lhe garantir que é bem parecido”, afirma.

Ela, o marido e dois filhos do casal moravam havia um ano em Portugal quando o filho do meio, de 21 anos, morreu em um acidente no Brasil. O casal viajou para o enterro e não pôde voltar ao local que chama de casa. “Na hora nem pensamos que isso poderia acontecer. Meu marido tinha contrato de trabalho, registro no departamen­to de finanças, pagava todos os impostos, mas não tinha conseguido agendar a entrevista para autorizaçã­o de residência.”

Valesca foi impedida de entrar por falta de visto. “Minha vida, meus filhos estavam em Portugal, o mais novo tinha só 17 anos. Perguntei ao oficial que me barrou o que deveria fazer, e ele me disse que deveria procurar o consulado no Brasil e pedir o visto. Meus filhos estavam do outro lado do portão e não pude vê-los, abraçá-los”, relembra. Acabaram entrando como turistas, via Espanha.

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