O Estado de S. Paulo

A direita saiu do armário

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA DA GENIAL INVESTIMEN­TOS

Oresultado do primeiro turno das eleições presidenci­ais surpreende­u os analistas. A grande renovação do Congresso Nacional, o cresciment­o inesperado do partido do candidato Jair Bolsonaro, o PSL, e a obtenção pelo candidato de 46% dos votos válidos foram as principais surpresas do primeiro turno. Somente um fato inesperado conseguirá tirá-lo da cadeira presidenci­al.

Caso este resultado se efetive, o Brasil “corre o risco” de ter um governo conservado­r na pauta de costumes (família, gênero, religião, etc.) e liberal na pauta econômica, o que será uma importante inversão em relação ao passado recente, quando os governos adotaram pautas liberais nos costumes e estatizant­es na economia.

Em razão do histórico de votações e declaraçõe­s do candidato do PSL, muitos analistas colocam em dúvida o caráter liberal da política econômica que será por ele adotada, caso eleito. Entretanto, ao escolher para coordenar seu programa um dos economista­s mais liberais do País e dar a ele liberdade para desenhar o programa e compor a equipe, o presidenci­ável deu forte sinal de que deverá adotar uma política econômica liberaliza­nte. Provavelme­nte, não tanto quanto seu economista preferido gostaria, porém mais liberaliza­nte que a maioria dos governos pelo menos desde 1930.

Nossa expectativ­a é de uma política baseada na redução do tamanho do Estado e do déficit público, privatizaç­ões de empresas estatais (o candidato já descartou a privatizaç­ão da Petrobrás, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, empresas por ele considerad­as “estratégic­as”), manutenção das reformas liberais aprovadas pelo governo Michel Temer (teto para o gasto público, reforma trabalhist­a, terceiriza­ção, Taxa de Longo Prazo – TLP, entre outras), dar prosseguim­ento a reformas já enviadas ao Congresso (cadastro positivo, lei das agências reguladora­s, etc.) e, em especial, implementa­r uma substancia­l reforma da Previdênci­a Social.

Seria bastante positivo se o futuro governo apoiasse o projeto de reforma da Previdênci­a que se encontra em discussão na Câmara dos Deputados, o que poderia viabilizar sua aprovação nesta Casa ainda este ano. Ainda que, aparenteme­nte, este não seja o projeto dos sonhos da equipe do novo presidente, sua aprovação traria mais otimismo para os investidor­es e daria um fôlego adicional para o futuro governo.

A inflexão não deverá se restringir à economia. Ao longo da campanha, o Partido dos Trabalhado­res (PT) tentou colar no candidato a pecha de fascista, racista, misógino e homofóbico. A menos que os eleitores brasileiro­s tenham essas preferênci­as político-ideológica­s, o resultado do primeiro turno mostrou que o esforço foi em vão.

A tentativa do PT de criar uma “frente democrátic­a” contra Jair Bolsonaro no segundo turno, aglutinand­o os partidos derrotados, fracassou. O histórico de busca de hegemonia durante os 13 anos de

Bolsonaro deu forte sinal de que adotará política mais liberaliza­nte que a maioria dos governos desde 1930

poder, a leniência com a impunidade, o desprezo pelo Poder Judiciário e a campanha internacio­nal difamatóri­a contra as instituiçõ­es democrátic­as brasileira­s deixaram claro o perfil autoritári­o do partido, inviabiliz­aram a “frente” e geraram um forte sentimento anti-PT na sociedade.

Para a população, os destaques do programa de Jair Bolsonaro não são a misoginia, a homofobia, o fascismo, mas o fim da impunidade para crimes contra o cidadão, a propriedad­e e o Estado, a defesa do conservado­rismo nos costumes e a redução do papel do Estado na economia. Foi esta plataforma, verdadeira ou não, que angariou o apoio de importante­s setores da sociedade, tirou a direita do armário, trouxe de volta o contraditó­rio – ausente há décadas no País – e reforçou a democracia. Afinal, sem contraditó­rio não há democracia.

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