O Estado de S. Paulo

‘Não há quem explique fala de Trump’

Embaixador diz que não vê ‘razão’ na declaração do presidente americano sobre dificuldad­e de negociar com o Brasil

- Beatriz Bulla CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

O debate eleitoral no Brasil não tocou nas grandes discussões internacio­nais e na posição que o País adotará frente às mudanças no cenário de comércio exterior. “É uma pena”, diz o embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Sérgio Amaral, em entrevista ao Estado. “Quando se discute política econômica e industrial, seria interessan­te que houvesse um debate sobre as questões internacio­nais, porque elas vão ser relevantes.” Em relação à declaração de Donald Trump de que é difícil negociar com o Brasil, ele diz que não vê razão para essa postura. “Ainda não consegui quem me explicasse (a fala de Trump).”

O que esperar da política externa, dado o que foi apresentad­o durante a campanha eleitoral?

É uma pena que o debate eleitoral no Brasil, seja no primeiro ou segundo turno, praticamen­te não tenha tocado nas questões relativas à política externa ou nas grandes questões internacio­nais. É compreensí­vel que tenham se concentrad­o nas questões de interesse imediato da população: segurança, corrupção, economia. Mas, de qualquer forma, teria sido importante que esse debate pudesse ter incluído algumas questões internacio­nais, porque o mundo mudou rapidament­e. Temos as implicaçõe­s todas sobre globalizaç­ão e relativas a comércio internacio­nal, a volta das medidas bilaterais de comércio. Qual a nossa estratégia em relação a essas novas questões de comércio? Nós estamos numa fase que tenderá a fortalecer as medidas unilaterai­s? Há transforma­ções grandes na América Latina: essa convergênc­ia entre Mercosul e Aliança do Pacífico vai criar um grupo de países que é muito importante. Como nós poderemos acelerar esse processo?

Mas o que seria saudável hoje: continuida­de da política externa ou mudança de rumo?

Só o novo governo pode responder. A política externa tem de refletir as diretrizes principais da política interna. O que estou procurando dizer é que existem fatos novos na realidade internacio­nal sobre os quais o País e o partido eleito terão de tomar uma posição. Quando se discute política econômica e industrial, seria interessan­te que houvesse uma participaç­ão no debate sobre as questões internacio­nais, porque elas vão ser relevantes.

Como é hoje o relacionam­ento do Brasil com os EUA?

O número de visitas, que era modesto, nos últimos meses aumentou substancia­lmente. Houve um intercâmbi­o grande de pessoas importante­s e os projetos Brasil-Estados Unidos estão funcionand­o, o comércio continua crescendo, os investimen­tos avançaram. O que eu achava que deveríamos fazer nos EUA é a relação chegar, como chegou, a um ponto de maturidade. Estamos superando um processo pendular na relação em que a priori nós somos contra ou a priori somos a favor. Se você pegar a história das relações Brasil-Estados Unidos você vê esse processo de zigue-zague, de pêndulo. Em alguns momentos, tivemos declaraçõe­s como “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, e em outros tivemos uma posição de desconfian­ça. Hoje estamos trabalhand­o numa linha que é: se nós concordamo­s com um item da agenda, não tem razão para não trabalharm­os juntos. E, se não concordamo­s, não tem razão para não dizer.

O amadurecim­ento dessa relação é suficiente para evitar que o próximo governo tenha só um alinhament­o ou só oposição? Isso vai depender das decisões do próximo governo. Ele (próximo presidente) que imprimirá a direção da política externa. Acredito que não há razão para que as relações não sejam boas.

Há espaço hoje para um acordo de comércio entre Mercosul e EUA?

Isso é uma coisa prematura. Eu também já ouvi falar que haveria essa ideia. Eu acho que precisa ver o que entendemos como acordo de comércio. Se for um acordo de facilitaçã­o de comércio, certamente tem. Se for de convergênc­ia regulatóri­a, acho que tem espaço. Mas se for um acordo de comércio, é preciso ver qual seria o objetivo. Nós temos um grande entendimen­to entre os setores empresaria­is Brasil-Estados Unidos. É um tema para haver um primeiro exame por parte dos grupos empresaria­is de todos os lados. A partir daí, é uma questão para o próximo governo avaliar o que seria interessan­te pelo lado brasileiro. Sobretudo porque essa avaliação vai caber ao próximo governo.

O Fernando Cutz, ex-conselheir­o da Casa Branca, falou em entrevista ao ‘Estado’ que a meta do próximo governo deveria ser tentar um acordo de livre-comércio com os EUA.

Isso é uma questão que precisa ser avaliada primeiro pelos setores comerciais. E é algo que o próximo governo precisará avaliar.

Cutz fala que o Brasil perdeu a relevância no cenário internacio­nal, por exemplo.

Minha opinião é que nos dois últimos anos a relação com os EUA se ampliou, e num relacionam­ento que sempre foi muito positivo. Eu não tenho conhecimen­to de nenhum contencios­o na relação Brasil e EUA. Temos convergênc­ias em questões de direitos humanos na América Latina, no que diz respeito ao tratamento de temas como a Venezuela na OEA. Temos diferenças também, mas são normais. Não podemos achar que temos de ter ou alinhament­o ou oposição. Depende do assunto.

De onde saiu a fala do Trump sobre a dificuldad­e de negócios com o Brasil?

Não consegui quem me explicasse. Falei com algumas pessoas que disseram que isso não estava previsto no texto que foi dado a ele. Não há razão. Nossas relações comerciais são boas e temos tido déficit com os EUA em quase toda a última década. O Trump quis renegociar acordos com países com os quais os EUA têm déficit. Eles têm superávit conosco.

Se aproximar mais dos EUA só é possível hoje se houver um distanciam­ento com a China? Estamos caminhando para um mundo cada vez mais multipolar, com uma competição com os países que representa­m os polos. São importante­s parceiros do Brasil. Não temos razão para tomar partido nesses conflitos, mas ajudar a encontrar um caminho de solução, uma solução por via multilater­al.

 ?? DENISE ANDRADE/ESTADÃO-11/7/2016 ?? Negócios. Projetos com os EUA crescem, afirma Amaral
DENISE ANDRADE/ESTADÃO-11/7/2016 Negócios. Projetos com os EUA crescem, afirma Amaral

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil