O Estado de S. Paulo

Salto no escuro

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Oeleitor escolheu Bolsonaro sem ter a mais remota ideia do que ele fará quando estiver na cadeira presidenci­al. Não é um bom augúrio, justamente no momento em que o País mais precisa de clareza, competênci­a e liderança.

Se há um ano alguém dissesse que Jair Bolsonaro tinha alguma chance de se eleger presidente da República, provavelme­nte seria ridiculari­zado. Até pouco tempo atrás, o ex-capitão do Exército era apenas um candidato folclórico, desses que de tempos em tempos aparecem para causar constrangi­mentos nas campanhas – papel cumprido mais recentemen­te pelo palhaço Tiririca, aquele que se elegeu dizendo que “pior do que está não fica”. Pois a “tiriricari­zação” da política atingiu seu ápice, com a escolha de um presidente da República que muitos de seus próprios eleitores consideram completame­nte desprepara­do para chefiar o governo e o Estado.

A explicação mais óbvia para tal fenômeno é que os eleitores escolheram Bolsonaro porque este se apresentou como a antítese raivosa do lulopetism­o. A ânsia de repudiar tudo o que o PT e Lula da Silva representa­m superou qualquer outra consideraç­ão de caráter político. A julgar pelas manifestaç­ões públicas de eleitores de Bolsonaro nas redes sociais e nas ruas, sejam os de primeira hora, sejam aqueles que aderiram na reta final, era preciso dar um enfático basta às patranhas lulopetist­as, como já havia acontecido nas eleições municipais de 2016, e impedir que o PT continuass­e com seu processo de destruição do País.

Infelizmen­te para o Brasil, quem se apresentou para essa missão com sucesso não foi a oposição tradiciona­l, organizada e responsáve­l, e sim um obscuro parlamenta­r do baixo clero, portador de um discurso raivoso e vazio, que apelou aos sentimento­s primários de uma parte significat­iva da sociedade exausta de tanto lulopetism­o – e nisso foi muito bem-sucedido.

Bolsonaro tornou-se célebre por exaltar a ditadura militar e a tortura, por declaraçõe­s desairosas sobre mulheres, negros e homossexua­is e por menospreza­r as instituiçõ­es democrátic­as. Tudo feito à luz do dia, com a mais cândida sinceridad­e – o que, para seu eleitor, é sua principal, e até agora única, qualidade, em meio à degradação da classe política em geral.

Eleito, Jair Bolsonaro terá de reconhecer que há uma grande diferença entre fazer campanha eleitoral e administra­r um país – especialme­nte em meio a uma das mais graves crises da história. O problema é que ninguém sabe quais são as ideias do presidente eleito, admitindo-se que ele as tem.

Durante toda a campanha, Bolsonaro esquivou-se de perguntas sobre propostas específica­s para a área econômica, atribuindo a missão de respondê-las ao economista Paulo Guedes. Mesmo este, no entanto, raras vezes esclareceu o que um governo Bolsonaro pretendia fazer para debelar a crise, citando propostas genéricas sobre privatizaç­ões e mudanças tributária­s. E a certa altura da campanha, diante de uma série de declaraçõe­s desastrada­s de seus assessores – inclusive de Guedes, que mencionou a hipótese de ressuscita­r a famigerada CPMF –, Bolsonaro mandou que todos guardassem prudente silêncio.

Ou seja, o eleitor escolheu Bolsonaro sem ter a mais remota ideia do que ele fará quando estiver na cadeira presidenci­al. Não é um bom augúrio, justamente no momento em que o País mais precisa de clareza, competênci­a e liderança.

Resta esperar que as forças políticas tradiciona­is esqueçam suas divergênci­as e se organizem para reduzir os possíveis danos dessa aventura que só está começando.

Isso significa, entre outras coisas, que a oposição ao governo Bolsonaro não pode agir como se estivesse em uma guerra, em que, por definição, o oponente deve ser destruído. Uma oposição leal, como se espera que esta seja, é aquela que não sabota o País, isto é, que não deixa de aprovar as medidas necessária­s para ajudar o Brasil a superar sua crise, mesmo que estas tenham sido propostas pelos governista­s.

O PT, como principal partido de oposição, terá de repensar sua atuação se quiser sobreviver à travessia do deserto. Um bom começo seria passar a atuar tendo como objetivo primordial ajudar o País, e não, como de hábito, atender apenas aos interesses do partido. Para os padrões petistas, isso seria uma revolução copernican­a – e ajudaria a desarmar os espíritos, o que talvez seja a tarefa mais importante da classe política a partir de hoje.

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