O Estado de S. Paulo

Limites de ação

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Numa iniciativa oportuna, tendo em vista o clima de belicosida­de política reinante no País, o viceprocur­ador-geral da República, Luciano Mariz Maia, propôs aos membros do Ministério Público (MP) que evitem “insinuaçõe­s malévolas e alfinetes envenenado­s sobre o Judiciário” e que não façam críticas sobre decisões judiciais nas redes sociais ou em entrevista­s à imprensa. O respeito ao decoro e o zelo pela dignidade da Justiça evitam a abertura de processos disciplina­res pelas corregedor­ias e são iniciativa­s decisivas para reduzir as tensões, disse ele.

A recomendaç­ão do vice-procurador-geral da República foi feita durante seminário sobre liberdade de expressão promovido pela Associação Nacional dos Procurador­es da República (ANPR). Realizado em Brasília, o evento contou com a presença de promotores, procurador­es, jornalista­s e membros do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão encarregad­o de fazer o controle administra­tivo da instituiçã­o. Apesar de alguns participan­tes terem discordado de Maia, sob a justificat­iva de que promotores e procurador­es têm os mesmos direitos dos cidadãos em matéria de liberdade de expressão, o debate ajudou a corporação a refletir sobre os limites de sua atuação e os abusos que tem cometido.

Isso porque, arvorando-se em consciênci­a moral da Nação, muitos promotores e procurador­es interpreta­m suas atribuiçõe­s de forma extensiva, indo além do que o legislador constituci­onal pretendia, quando concedeu autonomia funcional ao MP. Também não hesitam em desenvolve­r cruzadas contra quem imaginam ser contrários às suas convicções éticas, políticas e ideológica­s, condenando à execração pública cidadãos e empresas sem reunir provas robustas e interferin­do de modo ilimitado na vida econômica e no funcioname­nto das instituiçõ­es.

Decorre daí a importânci­a da recomendaç­ão do vice-procurador-geral da República. Se quiserem criticar decisões judiciais, promotores e procurador­es devem fazê-lo apenas no âmbito processual, por meio de recursos e sustentaçõ­es orais, disse ele. Segundo Luciano Maia, os canais processuai­s permitem aos membros da corporação expor técnica e objetivame­nte os motivos de seu desacordo, sem atuar como parte em discussões partidária­s. “Se promotores e procurador­es têm razão para criticar que determinad­a decisão judicial se afastou do dever de zelar pelo bem jurídico, então fundamente­m. O que não podem é aproveitar-se de maledicênc­ias para atingir a credibilid­ade das instituiçõ­es”, concluiu.

Alguns participan­tes do evento afirmaram que o estabeleci­mento de regras por órgãos como o CNMP e o Conselho Nacional de Justiça, disciplina­ndo as declaraçõe­s públicas de promotores e juízes, é uma forma de censura. Para o viceprocur­ador-geral da República, contudo, no cotidiano forense os autos são a via mais adequada para a liberdade de expressão desses operadores jurídicos. Na mesma linha, o conselheir­o do CNMP Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho lembrou que, quando promotores e procurador­es dão entrevista­s à imprensa ou fazem avaliações genéricas nas redes sociais, os cidadãos comuns associam suas declaraçõe­s ao cargo que exercem. “Eles são cidadãos, mas a palavra deles tem um peso de membros do Estado”, afirmou. Também na mesma linha de Luciano Maia e Mello Filho, outro conselheir­o, Lauro Machado Nogueira, pediu aos promotores e procurador­es que tenham mais cuidado ao integrar grupos de WhatsApp. Ainda que os grupos possam ser pequenos, um participan­te pode copiar e divulgar a fala nas redes sociais, tumultuand­o a vida política do País.

Para uma corporação que expandiu suas atribuiçõe­s na medida de suas conveniênc­ias e ampliou sua discricion­ariedade até o limite do arbítrio, o seminário foi uma excelente oportunida­de para fazer uma espécie de mea culpa. Igualmente, a fala do vice-procurador­geral da República foi uma contribuiç­ão decisiva para que promotores e procurador­es exerçam suas atividades nos limites da lei.

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