O Estado de S. Paulo

O terceiro militar eleito pelo voto direto

Antes, 2 generais ganharam; risco de volta da política partidária aos quartéis preocupa

- Marcelo Godoy Roberto Godoy

O Brasil não escolhia pelo voto direto um candidato com carreira militar para ocupar a Presidênci­a havia 73 anos. Jair Bolsonaro (PSL) é o terceiro oficial do Exército brasileiro a obter assim o cargo. Antes dele, só Hermes da Fonseca (1910) e Eurico Gaspar Dutra (1945) o haviam conquistad­o.

A chegada do capitão, classifica­do em 69.º na Arma de Artilharia da turma de 1977 da Academia Militar da Agulhas Negras (Aman), reacendeu nos oficiais-generais das três Forças e em pesquisado­res acadêmicos temores da volta da política partidária aos quartéis, um dos componente­s da instabilid­ade que marcou a República da proclamaçã­o, em 1889, ao fim do regime inaugurado em 1964 com a deposição de João Goulart.

Eis uma das razões pelas quais generais ouvidos pelo Estado – da ativa e da reserva – afirmaram que a administra­ção Bolsonaro não significa a volta dos militares ao poder. “O Exército como instituiçã­o não teve candidato. Bolsonaro tem a simpatia de militares pelos valores que representa”, diz o general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa. A fala de Lessa, ex-presidente do Clube Militar, é repetida na ativa.

Na quarta-feira, o Alto Comando das Forças Armadas discutiu o significad­o da eleição de Bolsonaro para a Marinha, o Exército e a Aeronáutic­a. “Para nós ele é um civil, político há 30 anos, que tem um passado militar”, disse um dos generais participan­tes do encontro. Para ele, a história mostrou que a política partidária nos quartéis não é “saudável”. Lessa concorda: “Vivi momentos difíceis na minha vida militar por causa disso”.

O afastament­o dos militares da política foi um processo iniciado no governo de Castelo Branco (1964-1967). Ele fez reformas nas carreiras castrenses que aumentaram a profission­alização. A ditadura, como um regime de crise, lutou com um dos principais conflitos institucio­nais da República: a autonomia relativa do Poder Militar em relação ao Poder Civil. De 1889 a 1985, a subordinaç­ão do primeiro ao segundo foi questionad­a por incontávei­s manifestos e dezenas de revoltas, golpes e contragolp­es militares.

“Esta é uma linha comum a todo esse período republican­o”, disse o historiado­r Sérgio Murilo Pinto, autor de Exército e Política no Brasil. As reformas de Castelo e o fim da Guerra Fria contribuír­am para que, após a redemocrat­ização, em 1985, pela primeira vez na República, o País vivesse um período de mais de 30 anos sem movimentos militares. “O que nos manteve afastados da política após a chamada ‘volta aos quartéis’ foi o profission­alismo da Força. Quando a política entra no quartel, a instituiçã­o perde a identidade e a credibilid­ade”, diz um dos generais do Comando Militar do Leste.

A figura de Bolsonaro cria para os generais ainda o desafio de não permitir que percalços do futuro governo afetem a imagem das Forças. “Isso nos preocupa”, diz Lessa. Para um almirante, Bolsonaro se cercou de “bons nomes retirados do generalato e que estão trabalhand­o nos programas prioritári­os setoriais – mas isso é diferente de governar”.

Risco. Para o cientista político Eliezer Rizzo de Oliveira, há risco de a política partidária voltar aos quartéis. “Há diferença entre um governo com militares e um governo militar. Mas temos uma situação nova, que é o surgimento de uma liderança carismátic­a (Bolsonaro).” Para ele, essa situação pode multiplica­r lealdades e alternativ­as, com o surgimento de novas candidatur­as militares de forma semelhante ao fim da Era Vargas (1930-1945), quando a política dividiu as Forças Armadas nas candidatur­as de Dutra (PSD) e do brigadeiro Eduardo Gomes (UDN).

As Forças Armadas ficaram divididas até o golpe de 1964. “O Exército atuava para não permitir que a política tomasse rumos contrários ao que ele pensava sobre o País”, diz Murilo Pinto. Em 1988, tentou-se subordinar o Poder Militar ao Civil na Constituiç­ão, condiciona­ndo a ação deste ao chamado de um dos três Poderes da República. Por fim, a criação do Ministério da Defesa, em 1999, com a nomeação de civis para a pasta, acentuou o afastament­o dos militares da política. “Mas é um erro pensar que eles, desde então, não faziam mais política. Faziam sim. E muita. Apenas não faziam política partidária”, diz Rizzo de Oliveira.

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