O Estado de S. Paulo

Facada deu novo rumo à candidatur­a

Atentado sofrido por Jair Bolsonaro afetou curso da campanha e obrigou concorrent­es a rever estratégia­s e poupar o candidato do PSL

- Marcio Dolzan ENVIADO ESPECIAL / JUIZ DE FORA

O dia 6 de setembro ainda nem havia terminado quando, da porta da Santa Casa de Misericórd­ia de Juiz de Fora (MG), um dos filhos de Jair Bolsonaro profetizou: “Vocês acabaram de eleger o presidente!”. A fala de Flávio Bolsonaro, direcionad­a ao que ele chamou genericame­nte de “bandidos”, era uma reação à facada no abdômen recebida pelo seu pai e presidenci­ável pelo PSL, horas antes, durante ato de campanha no centro da cidade mineira.

Àquela altura, o candidato à Presidênci­a liderava as pesquisas de intenção de voto, mas enfrentava alta rejeição e era atacado pelos oponentes.

Na véspera do feriado de Independên­cia, Bolsonaro era carregado na região central da cidade quando foi alvo do servente de pedreiro Adelio Bispo de Oliveira, de 40 anos. Após o golpe de faca, o presidenci­ável levou as duas mãos ao peito e foi colocado deitado na entrada de uma lanchonete a cinco metros de onde foi atingido.

“Ele não falava nada, apenas gemia muito e suava bastante”, lembrou uma funcionári­a do estabeleci­mento na quarta-feira passada, quando o Estado voltou ao local do atentado. Eleitora de Fernando Haddad (PT), ela, que não quis se identifica­r, considerou que a facada decidiu a eleição. “Aquilo ferrou tudo.”

O atentado, de fato, mudou o rumo da campanha eleitoral. Ao mesmo tempo em que Bolsonaro era levado às pressas à Santa Casa da cidade para uma cirurgia de emergência, outros candidatos ao Planalto tiveram que rever suas estratégia­s. Eventos foram suspensos nos primeiros dias e os ataques à candidatur­a do líder das pesquisas foram interrompi­dos – sobretudo os que eram feitos pela campanha de Geraldo Alckmin (PSDB). Aconselhad­os por seus marqueteir­os, os demais candidatos não queriam aparecer atacando um concorrent­e que lutava pela própria vida.

“Era um momento decisivo da campanha, e uma continuida­de dos ataques a Bolsonaro muito provavelme­nte teria elevado ainda mais os índices de rejeição que já ostentava”, diz o cientista político Paulo Roberto Figueira Leal, professor da Universida­de Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Para Márcio Gonçalves, professor de marketing do IbmecRJ, não é possível dizer que o episódio tenha sido decisivo, mas ele concorda que a repercussã­o ajudou a candidatur­a de Bolsonaro. “Nessa hora, quem mais contribuiu foram os opositores. Esses eleitores esqueceram que, quanto mais mencionava­m Bolsonaro, mais volume de informação era gerado para movimentar os motores de busca na internet. Esqueceram que Bolsonaro é fruto das estratégia­s de marketing mais obscuras da internet.”

Outra consequênc­ia imediata do atentado foi a empatia que Bolsonaro conseguiu suscitar. “(A facada) humaniza o personagem e permite que talvez ele dialogue com setores que até então não dialogava”, avalia Paulo Leal.

Coordenado­r do Movimento Direita Minas, de apoio ao presidenci­ável, Leonardo Valle também vê o atentado como fator que encurtou o caminho ao Planalto. “Pessoas que talvez tivessem um rótulo dele como homofóbico e racista começaram a querer entender e conhecer um pouco mais”, considera.

Na semana passada, Valle acompanhav­a outros integrante­s do movimento em um ato a poucos metros de onde Bolsonaro fora atacado. O grupo estampava camisetas com a imagem do rosto do presidenci­ável de graça. O serviço não parava. Desde o atentado, a região tem sido ponto frequente da circulação de curiosos, que param para tirar fotos.

Perto dali, pessoas que estiveram próximas a Adelio Bispo de Oliveira logo após ele ser detido por policiais militares à paisana preferem esquecer aquele dia. Um chaveiro que trabalha no prédio para onde Oliveira foi levado – o autor da facada foi agredido e corria o risco de ser linchado – e trancou o portão naquele dia não comenta o assunto. Outras testemunha­s até falam sobre o que aconteceu, mas preferem manter o anonimato.

É o caso do funcionári­o de uma escola profission­alizante que fica no mesmo prédio. Em 6 de setembro, ao ver o tumulto na entrada do edifício, ele desceu alguns lances de escada até o segundo andar para impedir que desconheci­dos acessassem outros pavimentos. Foi lá que viu Adelio sentado no chão, com os punhos algemados às costas. O funcionári­o então fez a primeira foto do suspeito, que circulou em sites noticiosos e redes sociais.

O autor do clique nunca ganhou o crédito pela imagem. “Foi instinto. Antes de eu me mudar pra cá (Juiz de Fora), trabalhei com imagem. Então eu sabia que uma hora ia explodir e eu teria a imagem aí, na minha mão, no meu celular”, afirma.

Ele repassou a imagem para amigos e em grupos de WhatsApp. Foi a partir daí que a foto tornou-se pública. Quase dois meses depois, ele prefere manter o anonimato sobre a autoria da foto em razão do clima político do País.

Para especialis­tas, o staff de Bolsonaro soube tirar proveito do episódio. “Da opinião vinda das massas, passou a ser valorizado aquilo que a mídia publicando sob diferentes análises. Na sociedade em que a informação ganha destaque, a guerra de

“Vocês acabaram de eleger o presidente!” Flávio Bolsonaro

POUCO DEPOIS DO ATENTADO

EM 6 DE SETEMBRO

narrativas imposta em redes sociais na internet, na TV, no rádio e nas revistas só contribuiu para que Bolsonaro ganhasse popularida­de sem ter de aparecer em debates com opositores”, considera o professor Márcio Gonçalves.

A ausência dos debates por alegada necessidad­e médica foi outro fator que ajudou Bolsonaro. “Mesmo sem a presença dele, os próprios candidatos em duelo à futura Presidênci­a do Brasil construíra­m histórias sobre Bolsonaro. É a pior das estratégia­s em tempos de populariza­ção do acesso à internet”, frisa Gonçalves.

O cientista político Paulo Leal concorda. “Em ambientes mais conflituos­os de debate, ele teria mais dificuldad­es de manter essa enorme colcha de retalhos que o apoia, porque teria que explicitar sua plataforma de governo. Qual é a plataforma de governo do Bolsonaro? Ninguém pode dizer com muita clareza”, afirma.

“(A facada) humaniza o personagem e permite que talvez ele dialogue com setores que até então não dialogava” Paulo Leal

PROFESSOR DA UNIVERSIDA­DE

FEDERAL DE JUIZ DE FORA (UFJF)

“Na sociedade em que a informação ganha destaque, a guerra de narrativas imposta em redes sociais na internet, na TV, no rádio e nas revistas só contribuiu para que Bolsonaro ganhasse popularida­de sem ter de aparecer em debates com opositores” Márcio Gonçalves

PROFESSOR DE MARKETING DO IBMEC-RJ

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Rua Halfeld. Militantes pró-Bolsonaro estampam camisetas com o rosto do candidato, de graça, na Praça da Estação, em Juiz de Fora (MG), em frente ao local onde ele foi esfaqueado
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