O Estado de S. Paulo

Política externa alimentará conexões com EUA e Israel

Medidas serão opostas às de governos do PT; objetivo, segundo colaborado­res, deve ser o de dinamizar a economia

- Lu Aiko Otta Leonencio Nossa / BRASÍLIA Beatriz Bulla CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

A política externa do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) será uma espécie de imagem invertida do que foi feito nos governos do PT, no entendimen­to de colaborado­res. Na via contrária à aproximaçã­o com os países ditos “bolivarian­os” e ao projeto sul-sul, que pretendia criar um núcleo de poder alternativ­o aos EUA, Bolsonaro já deixou clara sua admiração pelo presidente americano, Donald Trump, e por Israel. Também mostrou restrições à China. E afirmou que não pretende se relacionar com “ditaduras” como a Venezuela.

Toda essa retórica, porém, terá um balizador: a economia. Colaborado­res do presidente eleito têm repetido que a atividade econômica e os empregos não poderão se recuperar se o Brasil fechar as portas para novos negócios com outros países. Por isso, Bolsonaro já recuou de sua ideia de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, segundo interlocut­ores. Ele foi advertido que a medida, embora alinhada com o eleitorado evangélico, criaria problemas para as exportaçõe­s do Brasil para países muçulmanos. Só de carne, são US$ 13 bilhões por ano.

Pela mesma razão, Bolsonaro deixou de lado a ideia de sair do Acordo de Paris, que trata do corte na produção dos gases do efeito estufa, ou de deixar a Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU).

A avaliação dos colaborado­res do presidente eleito é que o País abdicou de ter uma política externa dedicada a dinamizar a economia. E é aí que está o centro das propostas em formulação. Bolsonaro já disse que quer acordos bilaterais, trilaterai­s e multilater­ais para fazer mais comércio. E não hesitará em propor mudanças no perfil do Mercosul se esse se mostrar um obstáculo a novos acordos.

Não está descartada, por exemplo, a negociação de um acordo de livre-comércio com os EUA, como sugerida em entrevista ao Estado pelo ex-conselheir­o da Casa Branca Fernando Cutz. Também em entrevista ao Estado, um dos colaborado­res de Bolsonaro, o professor de Columbia Marcos Troyjo, disse que não existe “deseconomi­a” maior do que o baixo volume de trocas entre os dois países.

‘Trump tropical’. A ideia da equipe de Bolsonaro é se aproximar dos EUA tendo como porta de entrada o fato de o presidente eleito ter sido apresentad­o como “Trump tropical” na imprensa internacio­nal. A forma de fazer isso, entretanto, ainda causa discordânc­ia. Em 2017, Bolsonaro esteve em Nova York em visitas a agentes do mercado financeiro – no que foi posteriorm­ente reconhecid­o por sua equipe como uma estratégia eficiente. Já em 2018, em agosto, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP), filho do presidente eleito, esteve no país e se encontrou com o ex-estrategis­ta de campanha de Trump, Steve Bannon.

Agenda. No Brasil, conselheir­os avaliam que é preciso mostrar autonomia e anunciar em 2019 um calendário de visitas aos principais parceiros, e não só à Casa Branca.

Um ex-integrante do governo americano ponderou que Trump é um homem aberto a acordos de comércio, mas não necessaria­mente de livre acordo. É por isso que a equipe do novo presidente deve perseguir concordânc­ias pontuais com o americano, em setores com mais chance de que isso dê resultado rápido, como acordos para acabar com casos de bitributaç­ão, facilitar o fluxo de pessoas para negócios e sinalizar com o fim das ameaças sobre cotas de importação de aço brasileiro, além de acordos de facilitaçã­o de comércio pontuais.

No campo político, os planos são de promover uma mudança. A estrutura do Itamaraty, na avaliação dos colaborado­res, está “aparelhada”. Diplomatas que ocuparam lugar de destaque nos governos do PT, como o ex-chanceler Celso Amorim e o ex-ministro da Defesa José Viegas são alvos da equipe do PSL. Há também planos para reduzir o número de embaixadas.

De certa forma, o governo de Michel Temer já fez a inflexão agora ambicionad­a por Bolsonaro. O primeiro chanceler de Temer, o senador José Serra (PSDB-SP), chegou ao posto falando numa modificaçã­o do perfil do Mercosul e em abrir novas frentes de negociação. Esse trabalho foi impulsiona­do pelo atual chanceler Aloysio Nunes (PSDB), que na semana passada estava no Canadá tratando do acordo com o Mercosul.

Foram iniciadas também negociaçõe­s com Cingapura, Coreia do Sul, Efta (Suíça, Noruega, Luxemburgo e Liechtenst­ein) e um início de tratativas com o Japão. Foi concluída uma atualizaçã­o do acordo do Brasil com o Chile e, em 2019, o comércio brasileiro com quase toda a América do Sul terá tarifa zero.

A expectativ­a na equipe é que Bolsonaro exerça uma diplomacia presidenci­al mais enfática para fortalecer o combate ao crime na fronteira. Hoje, o combate ao tráfico de drogas e de armas, ao contraband­o e à lavagem de dinheiro é feito na forma de cooperação.

Apesar da retórica de campanha, uma ação militar na Venezuela está descartada. Há preocupaçã­o com a crise dos refugiados, mas as medidas não deverão ir além do que já vem sendo feito pelo governo, com apoio do Exército: receber os migrantes, cadastrá-los e interioriz­álos.

Ainda se recuperand­o do atentado sofrido em setembro e com uma cirurgia planejada, Bolsonaro não deverá ter condições de ir ao exterior por alguns meses, mas já faz contatos telefônico­s com presidente­s.

 ?? NICHOLAS KAMM/AFP ?? Aproximaçã­o. O presidente eleito Jair Bolsonaro já deixou clara admiração por Donald Trump
NICHOLAS KAMM/AFP Aproximaçã­o. O presidente eleito Jair Bolsonaro já deixou clara admiração por Donald Trump

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil