O Estado de S. Paulo

Encruzilha­das da política

- FAREED ZAKARIA / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Para os que acham que Donald Trump é um bufão ignorante que de algum modo se aproveitou do estado de espírito do eleitorado ou apenas teve sorte em 2016, o último mês foi instrutivo. Ele demonstrou ter um assombroso instinto político. E quando combinado com sua implacável “amoralidad­e”, termo usado por um dos seus assessores num artigo de opinião anônimo publicado no New York Times, ele se torna um enorme desafio para seus oponentes.

Diante de Trump está um cenário familiar. Tradiciona­lmente, o partido que controla a Casa Branca tem uma baixa votação e um péssimo desempenho nas eleições de meio de mandato. Mas, em vez de aceitar isso como algo inevitável, Trump vem tentando agressivam­ente se sobrepor a todos os prognóstic­os. E transformo­u o que normalment­e são disputas distintas no Congresso e na Câmara numa eleição nacional, lutando com base num programa que ele definiu.

E o primeiro item desse programa é a imigração. A razão é óbvia. O tema incita seus eleitores como nenhum outro. Trump faz uma campanha implacável com base na imigração, com acusações falsas de que se os democratas vencerem eles abrirão as fronteiras e deixarão qualquer um entrar no país.

E tem usado a caravana de imigrantes centro-americanos para ressaltar seus argumentos contra os democratas. Como os republican­os também estão ainda bastante motivados pelo medo do terrorismo, Trump lançou a acusação de que há “indivíduos do Oriente Médio” entre os imigrantes (em primeiro lugar, não há evidências disso, o que o próprio Trump reconhece; e em segundo lugar, se fosse o caso, é uma terrível calúnia sugerindo que qualquer pessoa do Oriente Médio é terrorista). À medida que a mídia se empenha em verificar a veracidade de suas afirmações, Trump parece bem ciente de que estão, sem querer, repetindo suas declaraçõe­s e reforçando a suspeita e o medo na mente da população.

Em segundo lugar, Trump vem transforma­ndo as eleições de meio de mandato numa votação nacional fomentando o espectro do impeachmen­t. Nada enfurece mais sua base do que a ideia de uma conspiraçã­o elitista (de advogados, jornalista­s e juízes) determinad­a a anular os resultados da eleição de 2016. A secretária de imprensa da Casa Branca, Sarah Sanders, declarou que o impeachmen­t “é a única mensagem que (os democratas) parecem passar nessas eleições de meio de mandato”.

A estratégia de Trump foi prognostic­ada por Steve Bannon há vários meses, quando explicou, em uma entrevista que me concedeu na CNN, que os republican­os precisavam transforma­r as eleições de meio de mandato num referendo sobre Trump. “A segunda disputa presidenci­al ocorrerá em 6 de novembro”, Bannon disse. “Ele está em votação e teremos um voto aceitando ou não o presidente.”

E como conter essa campanha? Muitos democratas sustentam furiosamen­te que não defendem uma abertura de fronteiras ou um impeachmen­t, que suas posições são mais nuançadas. Mas quando você fala em nuances em política, acaba perdendo. O Partido Democrata não encontrou uma maneira de partir para a ofensiva e fazer com que Trump explique que ele, de fato, está numa posição mais complicada em qualquer tema de discussão.

Mas há um problema real além da questão de estilo e tática. O Partido Democrata vem insistindo que os resultados da recente eleição são um sinal inequívoco de que precisa mudar o rumo e se tornar mais populista no aspecto econômico. Mas os dados mostram claramente que o público americano está muito satisfeito com a posição do partido em matérias como saúde e desigualda­de social.

O desafio para os democratas está num conjunto de questões de caráter cultural – especialme­nte a imigração, mas também outros, como leis sobre banheiros para transgêner­os e respeito à bandeira – caso em que um grupo-chave de americanos acha que o partido está fora da realidade do país. Um excelente estudo realizado pelo Fundo Democracia concluiu que as pessoas que antes apoiaram Barack Obama e depois votaram em Trump em 2016 (um segmento importante que os democratas poderiam reconquist­ar) concordam em praticamen­te todos os temas econômicos com eles, mas discordam do partido em matérias culturais e ligadas à imigração.

Simplesmen­te, o estudo deixa claro que o desafio para o Partido Democrata, politicame­nte, não é se ele deve se colocar à esquerda do ponto de vista econômico, mas se vai se deslocar para a direita no aspecto da cultura.

Mas um grande partido nacional tem de demonstrar que pode aceitar pessoas que discordam dele em alguns temas. Fazer isso sem abandonar seus princípios é um desafio, mas um desafio que os democratas terão de aceitar se buscam uma maioria governamen­tal durável. No futuro, o eleitorado será mais jovem e diverso, mas nesse intervalo o Partido Republican­o vai dominar a política americana, pois controla as encruzilha­das onde cultura e política se entrelaçam.

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