O Estado de S. Paulo

O dia seguinte

- LUÍS EDUARDO ASSIS ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL DO BRASIL E PROFESSOR DA PUC-SP E DA FGV-SP E-MAIL: LUISEDUARD­OASSIS@GMAIL.COM

Opresident­e eleito talvez esteja ainda comemorand­o sua vitória. Recomenda-se moderação. Daqui para a frente é subida. O futuro é íngreme. A tarefa é imensa, o tempo é pouco e as dificuldad­es, numerosas. É claro que as condições não são tão cruéis quanto, por exemplo, na eleição de Collor, que herdou uma inflação de 6.390% e uma dívida externa equivalent­e a três vezes e meia o volume de reservas internacio­nais. A inflação na posse do novo presidente deverá estar na casa dos 4,5%, enquanto as reservas serão maiores que a dívida externa. Ainda assim, equacionar o problema do cresciment­o exige medidas de ajuste das contas públicas, o que não é trivial.

Vivemos hoje a década perdida. Na posse, em janeiro próximo, o presidente assumirá um país com um PIB per capita 2% menor do que na posse de Dilma Rousseff em 2011. Temos hoje algo como 6 milhões de desemprega­dos a mais do que em janeiro de 2015, quando a presidente foi confirmada no segundo mandato. Andamos para trás. Enquanto isso, o PIB mundial cresceu aproximada­mente 40% desde 2010.

Está aqui o primeiro problema: os erros consecutiv­os de política econômica conseguira­m a proeza de impedir o cresciment­o justamente numa década em que o resto do mundo surfava numa onda de significat­ivo cresciment­o. O segundo problema é que há fortes indícios de que essa onda está minguando. O Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) publicou recentemen­te um relatório (Global Financial Stability Report, outubro de 2018) no qual adverte para os riscos que ameaçam o cresciment­o da economia mundial. Depois de oito elevações nas taxas de juros básicas nos EUA desde o final de 2015, o cenário internacio­nal para as economias emergentes começa a se deteriorar. Os juros americanos subiram, mas ainda estão baixos para os padrões históricos. Vão subir mais, o que significa um dólar mais caro. Na China, a dívida das empresas cresce de forma acelerada, ao passo que os bancos pequenos e médios evidenciam sinais de vulnerabil­idade. A escalada na guerra tarifária entre China e Estados Unidos (dois carecas que brigam por um pente, parafrasea­ndo Borges) prenuncia mais turbulênci­a. A revista The Economist, que alguns brasileiro­s passaram a considerar um libelo da extrema esquerda, foi mais explícita e fez matéria de capa sobre o tema (The Next Recession, 11 de outubro). O melhor já passou.

O presidente eleito acordou hoje atrasado. Terá de achar o tempo que perdemos. Há muito a fazer, a começar por um programa de governo. Não, o da campanha não serve, já que não passa de um emaranhado de ideias contraditó­rias. As boas propostas são impraticáv­eis e as factíveis não são boas. É preciso virar a chave e esquecer as patetices que encantam os eleitores. Não, não vai ser possível reduzir os impostos; não, o combate à corrupção não resolve o rombo da Previdênci­a. Há velhos problemas no escaninho que exigem uma solução. Desde que Lula deixou o Palácio do Planalto, a dívida do governo geral cresceu 160%, ou R$ 3,3

O presidente eleito acordou hoje atrasado. Há muito a fazer, a começar por um programa de governo

trilhões. É preciso escolher quem vai pagar essa conta, algo que não convém comentar na campanha. É fundamenta­l articular a relação com o Congresso, o que exige habilidade até agora não demonstrad­a pelo novo presidente. Mais que tudo, é essencial não adicionar novos itens a uma agenda de problemas já extensa. Irritar a China e abrir uma frente de animosidad­es com países árabes ou com ambientali­stas seria um desnecessá­rio desvario. Não precisamos de novos problemas, precisamos de novas soluções. O sucesso dependerá de um governo com clareza de propósitos, unidade na execução de objetivos, sintonia com os anseios de todos os brasileiro­s e respeito às instituiçõ­es democrátic­as. É improvável.

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