O Estado de S. Paulo

Crise torna mais difícil renegociar dívida

Apesar dos prazos mais longos e de juros menores oferecidos pelos credores, quantidade de débitos renegociad­os é 20% menor que em 2017

- Márcia De Chiara

Está mais difícil cobrar inadimplen­tes neste final de ano, apesar de as condições de renegociaç­ão serem mais favoráveis. Bancos e empresas de cobrança estão mais flexíveis, oferecendo prazos mais longos. Além disso, a taxa básica de juros, hoje em 6,5% ao ano, é a menor da história, o que, em tese, facilitari­a as renegociaç­ões.

Mas falta de dinheiro no bolso do consumidor e inseguranç­a em relação ao emprego têm pesado mais e são hoje os principais obstáculos para os inadimplen­tes fecharem e cumprirem os acordos. Nos financiame­ntos atrasados sem garantias reais, como empréstimo pessoal e cartão de crédito, por exemplo, a quantidade de dívidas renegociad­as está 20% abaixo do ano passado, segundo a Associação Nacional das Empresas de Recuperaçã­o de Crédito. A entidade reúne 100 empresas que representa­m 80% do mercado de cobrança.

“Estamos numa situação atípica porque nunca tivemos uma crise econômica depois de boom de crédito, como agora”, diz a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti. Em setembro, 62,4 milhões de brasileiro­s estavam inadimplen­tes. É um número quase 4% maior do que um ano atrás e praticamen­te a mesma marca de agosto.

Fernando Modenezi, diretor da RBrasil, empresa de cobrança que presta serviço para os grandes bancos, confirma a dificuldad­e de fechar acordos. “Hoje a minha recuperaçã­o de crédito está 15% abaixo do mesmo período de 2017”, diz o executivo. A empresa faz cerca de um milhão de ligações diariament­e à caça de inadimplen­tes.

Modenezi lembra que o resultado das renegociaç­ões poderia ser pior se não tivesse a ajuda dos meios digitais e a maior flexibilid­ade por parte dos credores, como o prazo de pagamento dilatado. Em média, hoje são oferecidos seis meses a mais de parcelamen­to ante 2017. “Os bancos aumentaram o prazo para ver se melhora a situação e, mesmo assim, está difícil.”

Satoshi Fukuura, presidente da Siscom, que tem na sua carteira de cobrança 1,3 milhão de dívidas em atraso, conta que tem gastado um terço a mais de tempo em conversaçõ­es para convencer o inadimplen­te assumir um novo compromiss­o de pagamento. “Quando converso com meus gerentes, todos dizem que está mais difícil.” O executivo frisa que, no caso da sua empresa, houve aumento de produtivid­ade com a adoção de canais digitais e modelos estatístic­os que compensara­m a maior dificuldad­e para negociar.

“Todo mundo acha que empresa de cobrança nada de braçada em tempos de crise, mas hoje não é bem assim”, afirma Fukuura. Seis anos atrás, lembra, a situação era muito boa porque os inadimplen­tes renegociav­am os atrasados e honravam o pagamento. Hoje a base de clientes vem diminuindo com o avanço da renegociaç­ão digital feita pelos bancos.

Também os inadimplen­tes que renegociam as dívidas com as empresas de cobrança têm dificuldad­e para pagar. Dados do SPC Brasil mostram que a reincidênc­ia dos inadimplen­tes é alta. Neste ano, 84,5% deles já ficaram negativado­s alguma vez nos últimos cinco anos.

Flexibilid­ade. Com a proximidad­e do final de ano, o presidente da Siscom notou que os bancos

estão mais abertos para aprovar acordos de dívidas maiores e atrasadas há mais tempo. A flexibilid­ade se traduz em prazos maiores e abatimento nos juros. “Para dívidas acima de 180 dias, o desconto nos juros supera 50%.”

A maior flexibilid­ade nas negociaçõe­s é confirmada pelos bancos. Adriano Pedroti, diretor do Itaú Unibanco, diz que é preciso se readequar para renegociar com alguém que perdeu poder de compra. Ele conta que tem feito ações para atenuar o impacto do desemprego.

O banco, por exemplo, reduziu os juros para dívidas vencidas acima de 90 dias, de linhas sem garantias, de 2,5% e 3% ao mês para 1,99%. Promociona­lmente neste final de ano, vai autorizar o parcelamen­to em quatro vezes, sem juros, da dívida com desconto. “A parcela média da dívida renegociad­a neste ano será entre 10% e 15% menor do que a do ano passado”, diz Pedroti. Com essas ações, mais do que renegociar a dívida, a meta é recuperar o cliente, diz.

“No momento atual, o importante é preservar os clientes”, confirma o superinten­dente executivo de recuperaçã­o de Varejo e Financeira do Santander, Paulo Oliveira. Ele explica que, nos últimos anos, o banco decidiu agir preventiva­mente contra o aumento da inadimplên­cia. “Estamos trabalhand­o da forma mais antecipada possível e a inadimplên­cia está controlada por causa dessas ações.”

Faz três meses, por exemplo, que o banco lançou dentro do seu aplicativo uma funcionali­dade que permite acompanhar as dívidas. Desta forma, o cliente vê o comprometi­mento da renda. “Com isso, podemos oferecer parcelamen­to diferencia­do para dar fôlego ao cliente.”

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