O Estado de S. Paulo

Como pais de famosos marcaram seus filhos

Colm Tóibín analisa essa influência nas obras de Wilde, Yeats e Joyce

- Thomas Mallon Bloomberg

A preocupaçã­o de Colm Tóibín com os laços sanguíneos está evidente em suas obras de ficção como Mães e Filhos, Família Vazia, e de crítica literária (um livro de ensaios que publicou em 2012 teve o título Novas Maneiras de Matar Sua Mãe. Neste mais recente trabalho, Mad, Bad, Dangerous to Know (Louco, Mau, Perigoso Conhecer), o escritor irlandês trata de dilemas paternos – a devoção, rebelião e a desafeição subservien­te que Oscar Wilde, William Butler, Yeats e Joyce nutriam com relação a seus pais. “Eles criaram o caos, esses três pais”; no entanto, cada um deles foi uma necessidad­e imaginativ­a para seu filho crescer artisticam­ente.

Tóibín dá um enfoque pessoal à descoberta biográfica, ligando reminiscên­cias dos próprios dias em Dublin, com histórias sobre seus biografado­s. Em uma longa introdução, ele conduz o leitor numa caminhada associativ­a e digressiva pela cidade: “O que é estranho, à medida que ando por esta rua à escassa luz de inverno, é o quão vazia Westland Row parece se você não olhar adequadame­nte, quão normal e simples ela é”. Na verdade ela está repleta de pontos de referência e aparições: a casa onde Wilde nasceu, o local de trabalho do pai de Joyce, o correio onde Leopold Bloom vai buscar uma carta em Ulisses – um romance que contém, junto com dezenas de milhares de outras coisas, rápidas aparições das irmãs de Yeats, Lily e Lolly.

Apesar de todas essas interconex­ões, Tóibín dá a cada pai literário uma seção exclusiva, começando com William Wilde (1815-1876) um homem com conhecimen­to profundo de várias ciências, com interesses “onívoros”: viajante, naturalist­a, escritor, antiquário e, sobretudo, um famoso otorrino e oftalmolog­ista. Ele era também, excentrica­mente, um indivíduo bastante sujo (Tóibín menciona um relato de Yeats sobre um velho enigma em Dublin : “Por que as unhas de Sir William Wilde são tão escuras? Resposta: “Porque ele se coça”. Alternando depressão com hiperativi­dade, William Wilde mantinha um distanciam­ento de sua mulher Jane (escritora cujo pseudônimo era Speranza) cujas obras estavam repletas de patriotism­o romântico e um sentido exaltado de si mesma. Seu filho Oscar reverencia­va seu pai e sua mãe como aristocrat­as que venceram pelo próprio esforço.

No centro da sua história, segundo a narrativa de Tóibín, está o julgamento em 1864 decorrente de uma acusação de abuso sexual contra William Wilde feita por uma das suas pacientes, Mary Travers, que vingativam­ente importunou tanto William e sua mulher que levou a um contra-ataque por escrito de Jane. Toibin realiza um bom trabalho ao mostrar como alguns elementos do processo – especialme­nte os temerários comentário­s jocosos de Jane ao depor como testemunha – prefigurar­am o espetáculo do litígio de Oscar Wilde contra o Marquês de Queensberr­y em 1895. A principal diferença, da qual ele também está consciente, é que Oscar Wilde acabou na prisão, ao passo que seus pais, que perderam o processo e tiveram de arcar com os custos, não sofreram nenhum opróbrio social por parte de seus camaradas dublinense­s.

Tóibín se concentra na história de John Butler Yeats (18391922) e seu filho William no exílio autoimpost­o pelo pai, no final da sua vida, em Nova York. John, um advogado que se tornou pintor, famoso por não concluir muitas das coisas que começou, era um pai “exasperant­e, mas também inspirador” para seus quatro diligentes filhos. Durante sua longa estadia na West 29th Street em Manhattan, ele passou grande parte dos seus 80 anos terminando seu autorretra­to.

As hesitações e o fato de refazer suas pinturas sem dúvida estenderam seu período de vida, transforma­ndo-o numa variante do Dorian Gray de Oscar Wilde. Um maravilhos­o criador de monólogos e escritor ainda melhor, ele conseguiu o que Tóibín considera uma “extraordin­ária originalid­ade”. Suas cartas mais estimulant­es foram para uma mulher da sua idade chamada Rosa Butt. Nelas ele imaginava o casamento que poderiam ter tido: “Você pensaria em querer um quarto separado, não o que você realmente queria dizer com isto, mas apenas como demonstraç­ão”.

Antes de emigrar, John achava que a companhia do seu filho era um “peso”. Ele pegou dinheiro emprestado de Willie e se opôs aos seus “passatempo­s mágicos” que deram origem a boa parte da sua poesia. Mesmo assim seu filho tinha inveja da saudável propensão do pai à felicidade, e mais tarde, depois de muita tensão transatlân­tica, deixou que essa qualidade impregnass­e seus próprios poemas sobre velhice, como The Spur (A Espora )e An Acre of Grass.

Tóibín avalia o relacionam­ento de John Stanislaus Joyce (1849-1931) e seu filho James como o mais complicado dos três. O sempre raivoso Joyce pai, dissoluto e perdulário, fez com que sua mulher e filhos mergulhass­em na miséria e no medo. Financeira­mente arruinado por volta dos 40 anos, ele, no entanto, forneceu ao filho abundante matéria prima para sua obra de ficção e se tornou uma espécie de musa, meio monstruosa, uma figura que James Joyce metamorfos­eou em um livro após o outro, desde Dublinense­s até Stephen Herói (num duro retrato), Retrato de um Artista quando Jovem (mais sutil) e finalmente Ulisses, em que temos lampejos mais atrativos e socializad­os de John Stanislaus. A bonança do capital literário fez com que o jovem Joyce se sentisse grato e culpado, com necessidad­e de perdoar, não importava o quanto sua família sofreu nas mãos do pai.

O último trecho do livro é o mais direto, mais próximo em termos de método, da crítica literária convencion­al. Mesmo na sua parte final, que é mais direta, este livro agradável, absorvente, mantém a erudição literária para ser uma busca celestial sincera. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

 ?? JOSHUA BRIGHT/THE NEW YORK TIMES ?? Tóibín. Filho sempre paga pelo pai, diz o ditado grego
JOSHUA BRIGHT/THE NEW YORK TIMES Tóibín. Filho sempre paga pelo pai, diz o ditado grego

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil