O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde

- E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Bolsonaro parece estar tateando, testando, indo e voltando, mas o importante é que ele sabe ouvir e recuar.

Já nos primeiros momentos e dias o presidente eleito, Jair Bolsonaro, dá indicações sobre o seu governo bem mais claras do que durante a longa campanha eleitoral. Ele mudou o tom, faz apelos à união dos brasileiro­s, deixa vazar nomes do futuro Ministério e decide que suas primeiras viagens internacio­nais serão aos Estados Unidos, ao Chile e a Israel. Isso diz tudo sobre o eixo da política externa.

Para reforçar a descompres­são política, o petista Fernando Haddad, que não tinha telefonado para Bolsonaro no domingo, enviou-lhe ontem uma mensagem de paz pelas redes sociais. Num tom coloquial, mas respeitoso, Haddad disse que o Brasil merece “o melhor” e desejou sorte ao futuro presidente. Seco, mas sem belicosida­de, Bolsonaro enfatizou “o melhor”.

Essa troca de mensagens, se foge à tradição pós-eleições, sobretudo eleições presidenci­ais, pelo menos sinaliza aos eleitores e à militância do PT e de Bolsonaro que o pior da guerra passou e é hora de uma trégua para respirar, recuperar forças e reduzir o nível de estresse no País.

Durante a campanha Bolsonaro foi alvo de duríssimas reportagen­s das publicaçõe­s mais importante­s do mundo, inclusive, ou principalm­ente, dos grandes veículos liberais, mas bastou ser eleito para atrair telefonema­s, mensagens e votos de sucesso dos maiores líderes mundiais, a começar do americano Donald Trump, de quem o futuro presidente brasileiro é um admirador declarado.

Ao escolher os EUA como destino prioritári­o, Bolsonaro cumpre a promessa, ou o aceno, de que vai dar uma forte guinada na política externa para trazê-la de volta ao seu leito histórico e natural, priorizand­o as alianças estratégic­as com a grande potência, os maiores líderes, os investidor­es e mercados mais atrativos.

Quando se descobriu que a agência americana NSA espionava a Petrobrás e até o gabinete presidenci­al no Brasil, a então presidente Dilma Rousseff, audaciosam­ente, mas com boa dose de razão, cancelou uma visita bilateral a Barack Obama em Washington. Apesar disso, as relações diplomátic­as e os programas e acordos de cooperação não sofreram interrupçã­o.

Com Bolsonaro e Trump, os dois países devem aprofundar acordos nas áreas de agricultur­a e saúde, por exemplo, mas especialme­nte na área militar, na segurança pública e na proteção de fronteiras, inclusive ampliando as trocas de informaçõe­s e de experiênci­a entre a inteligênc­ia dos dois países contra tráfico de drogas, armas e até pessoas.

Aí entra também o Chile, exemplo de economia aberta, liberal, beneficiár­io de amplos acordos bilaterais – vetados à época dos governos do PT – e refratário ao “bolivarian­ismo” da Venezuela. Assim como Colômbia, Peru, Argentina e Paraguai, o Chile está no foco da política externa de Bolsonaro.

O problema é a paixão por Israel, contrarian­do uma posição histórica do Brasil, de equilíbrio entre Israel e Palestina, e ele chegou a anunciar que, a exemplo de Trump, mudaria a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém. Seria tomar partido numa guerra que não é do Brasil.

Além disso, preocupara­m a diplomacia brasileira a intenção dele de abandonar a ONU e rechaçar o Acordo de Paris, sobre metas de contenção de gás carbônico. Nos dois casos, foi um Deus nos acuda que extrapolou as belas vidraças do Itamaraty, mas ele já voltou atrás em ambos. Agora é rezar para que não haja recuo do recuo.

Bolsonaro parece estar tateando, testando, indo e voltando, mas o importante é que ele sabe ouvir e recuar. Que seja assim na definição das prioridade­s, da pauta e dos rumos da política econômica, porque os holofotes estão em Bolsonaro, no economista Paulo Guedes e no tamanho e grau de convicção da conversão liberal e privatizan­te do presidente eleito. É o futuro que está em jogo.

Passada a eleição, Bolsonaro mostra que sabe ouvir e sabe recuar. E na economia?

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