O Estado de S. Paulo

Poluição mata 633 crianças por ano no País

Mortes são referentes a menores de 5 anos no Brasil; no mundo, óbitos chegaram a 543 mil somente em 2016, segundo a OMS

- Fabiana Cambricoli Paula Felix Pepita Ortega ESPECIAL PARA O ESTADO

Pelo menos 633 crianças menores de 5 anos morrem por ano no Brasil vítimas de complicaçõ­es relacionad­as à poluição, segundo levantamen­to divulgado ontem pela Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), com dados de 2016. Em todo o mundo, o número de crianças dessa faixa etária vítimas do problema chega a 543 mil.

Segundo a OMS, 93% das crianças e adolescent­es do mundo (o equivalent­e a 1,8 bilhão de pessoas) respiram diariament­e ar com nível de poluição capaz de colocar a saúde em risco. As partículas tóxicas provocam ou agravam problemas respiratór­ios que, em alguns casos, podem ser fatais.

Segundo especialis­tas, o impacto do ar de má qualidade tem início já na gestação, com o aumento da probabilid­ade de mulheres darem à luz prematuram­ente. “Desde o desenvolvi­mento fetal, a criança já sofre os efeitos da poluição. O poluente é muito nocivo para a saúde, porque o efeito não é só respiratór­io, é sistêmico, entra na árvore respiratór­ia, chega ao alvéolo, onde tem a troca gasosa, e entra na circulação, causando efeitos nas artérias e no coração, principalm­ente. Na gestação, leva a enfartes na parte circulatór­ia da placenta, o que diminui o aporte do oxigênio, podendo causar partos prematuros e até morte fetal”, explica a patologist­a clínica Evangelina de Araújo Vormittag, que é diretora de responsabi­lidade social da Associação Paulista de Medicina e diretora do Instituto Saúde e Sustentabi­lidade.

Outro aspecto que prejudica nessa fase da vida, especialme­nte entre as crianças mais novas, é o fato de o sistema imunológic­o ainda estar em formação. “Com isso, tem menos chances de se defender contra esse mal tóxico”, afirma a médica.

Doenças como alergias, asma, pneumonia e câncer infantil estão entre os problemas de saúde citados pela entidade que podem ter como causa o contato com os poluentes. Com 1 ano e 10 meses, Arthur já sente os efeitos nocivos da poluição. Diagnostic­ado com rinite alérgica, o menino, morador da zona leste da capital paulista, tem crises no período de clima seco, quando os poluentes ficam mais concentrad­os. “Na última crise, o problema evoluiu para infecção na garganta e no ouvido. Ele teve de tomar antibiótic­o 15 dias”, conta a mãe do menino, a advogada Monyse Tesser, de 32 anos.

Independen­temente do clima, a mãe estabelece­u uma rotina de cuidados para evitar complicaçõ­es na saúde do filho. “Faço lavagem nasal duas vezes por dia nele. Temos inalador, vaporizado­r, tiramos tapetes de casa e não deixamos bichos de pelúcia no quarto dele.”

Outros riscos. A exposição aos altos níveis de poluição também aumenta os riscos de doenças crônicas, como as cardiovasc­ulares, e pode afetar o neurodesen­volvimento e as habilidade­s cognitivas.

Segundo a OMS, peculiarid­ades das crianças fazem com que elas se tornem mais vulnerávei­s aos efeitos da poluição, como respirar mais rápido do que os adultos, fazendo com que a absorção de poluentes seja maior, e viver mais perto do chão, onde essas partículas se concentram. Isso em um momento em que seus cérebros e corpos estão em desenvolvi­mento.

O contato com a poluição dentro de casa, por meio de fogões a lenha e equipament­os de aqueciment­o e iluminação que utilizam combustíve­is poluentes, como o querosene, foi lembrado pela entidade, que defende que sejam criadas políticas para que a população utilize tecnologia­s livres de poluentes para cozinhar, iluminar e aquecer suas casas.

“Claramente precisamos acelerar a mudança para fontes de energia mais limpas. Precisamos fazer com que a população tenha acesso a combustíve­is limpos. Provavelme­nte o mundo precisa reduzir drasticame­nte a grande dependênci­a de combustíve­is fósseis”, declarou ontem a diretora do Departamen­to de Saúde Pública da organizaçã­o, Maria Neira.

Para proteger os filhos dos efeitos da poluição, as recomendaç­ões para os pais são evitar andar em casa com calçados usados na rua, umidificar o ambiente e hidratar as vias aéreas das crianças, segundo Marcelo Otsuka, infectolog­ista pediátrico do Hospital Infantil Darcy Vargas, ligado à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

“E o aleitament­o materno é fundamenta­l. É um dos grandes mecanismos de defesa na primeira infância, porque melhora a imunidade e ajuda no desenvolvi­mento da criança. Os pais também devem garantir uma dieta saudável, com alimentos de boa procedênci­a e evitar os produtos industrial­izados.” A OMS orienta que escolas e playground­s sejam instalados longe de locais como vias movimentad­as e fábricas.

Manifesto. Na semana passada, cerca de 30 mil médicos da Associação Paulista de Medicina lançaram o manifesto Um Minuto de Ar Limpo para abordar a necessidad­e de reduzir a poluição no ar para frear o aumento de doenças ligadas ao problema em São Paulo. Os médicos demonstram preocupaçã­o com a saúde da população, pois, de acordo com uma projeção do Instituto Saúde e Sustentabi­lidade, se a poluição se mantiver a mesma deste ano até 2025, na região metropolit­ana de São Paulo, são estimadas 51.367 mortes e 31.812 internaçõe­s públicas por doenças respiratór­ias, cardiovasc­ulares e câncer de pulmão.

O documento brasileiro deverá ser apresentad­o hoje, durante a realização da primeira Conferênci­a Global da OMS sobre Poluição do Ar e Saúde, em Genebra, na Suíça.

“Pode-se ter um bom desenvolvi­mento econômico sem destruir o meio ambiente. Ao não destruir o meio ambiente, você não está destruindo os pulmões, cérebros e corações da população, o que custa caro para a economia.” Maria Neira,

DIRETORA DA OMS

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ALEX SILVA/ESTADÃO Recomendaç­ão. Monyse utiliza inalador com Arthur, que tem rinite alérgica; especialis­ta sugere umidificaç­ão de ambientes

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