O Estado de S. Paulo

A reconstruç­ão do Mercosul

- ALOYSIO NUNES FERREIRA MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

Há um debate na sociedade brasileira em torno da relevância do Mercado Comum do Sul (Mercosul). De fato, há pouco mais de dois anos o panorama era desolador. A letargia do bloco, evidente. Os propósitos que levaram à sua criação soavam como uma vaga lembrança, ocupados que estavam Estados-membros em utilizar o bloco para ecoar preferênci­as ideológica­s, sem conexão com os reais interesses de nossas sociedades.

Uma das maiores conquistas do governo Temer na área externa é ter colaborado para a reconstruç­ão do Mercosul. Ao lado da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, o Brasil trabalhou com afinco para recuperar a vocação original de um regionalis­mo aberto. Os resultados apareceram rapidament­e, tanto no interior do bloco como em sua articulaçã­o com o restante do Hemisfério e com a economia mundial.

Um passo importante foi a remoção de quase 90% dos 78 entraves que existiam no comércio intrabloco, como aqueles que dificultav­am o acesso ao mercado argentino de carne bovina e banana. Não menos digna de registro foi a assinatura do Protocolo de Contrataçõ­es Públicas, que abre uma valiosa frente de negócios para as empresas e reduz custos para os governos. Já o Protocolo de Cooperação e Facilitaçã­o de Investimen­tos tornou o ambiente mais receptivo à atração de poupança externa. Adotamos, ainda, um plano de convergênc­ia regulatóri­a em áreas como governo digital, governo aberto, segurança cibernétic­a, assinatura eletrônica, direito do consumidor, pequenas e médias empresas e comércio eletrônico.

O diálogo foi destravado também com os países associados. O bloco subscreveu com a Colômbia acordo de complement­ação econômica que praticamen­te reduziu a zero as tarifas nas trocas bilaterais. Particular­mente frutíferas foram as tratativas com o Chile. Formalizam­os instrument­os para a liberaliza­ção das compras públicas e a facilitaçã­o de transações financeira­s. Concluirem­os até o final do ano um acordo de livre-comércio de segunda geração, harmonizan­do regulament­os e adensando os laços entre pequenas e médias empresas e em questões como propriedad­e intelectua­l e perspectiv­a de gênero.

Esses esforços renovaram a importânci­a para o Brasil de um bloco que reúne 275 milhões de habitantes e representa a quinta economia do globo. Os benefícios para o setor industrial são expressivo­s. Mais de 90% de nossas exportaçõe­s para os demais sócios no ano passado foram de bens industrial­izados (US$ 20,7 bilhões). Em 2017 foram para o Mercosul 18,5% de nossas exportaçõe­s de manufatura­s.

O bloco voltou a ser uma plataforma para uma inserção competitiv­a de seus membros na economia mundial. Se é verdade que teremos a partir de 2019, por causa dos acordos da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), uma área de livre-comércio de bens com a maioria dos países da América do Sul, também é verdade que ampliamos de maneira muito significat­iva os horizontes do Mercosul, a começar pela indispensá­vel aproximaçã­o com a Aliança do Pacífico.

Na reunião de cúpula de Puerto Vallarta (México) foi adotado um plano de ação que prevê passos concretos em facilitaçã­o de comércio, cooperação regulatóri­a, agenda digital e comércio inclusivo. Para aferir o potencial dessa aproximaçã­o basta lembrar que, juntos, o Mercosul e a Aliança do Pacífico respondem por 90% do produto interno bruto e dos fluxos de investimen­to externo direto na América Latina e no Caribe. O comércio entre os dois blocos alcançou no ano passado a cifra de US$ 35,3 bilhões, dos quais US$ 25 bilhões de transações do Brasil com a Aliança do Pacífico, um incremento de 21,4% em relação a 2016.

A abertura e a intensific­ação de negociaçõe­s comerciais extrarregi­onais refletem com eloquência a reanimação do bloco. Vejamos o caso das tratativas para a assinatura de um acordo de associação com a União Europeia. Passamos da inércia dos últimos governos a um notável empreendim­ento negociador, que logrou concluir até o momento 12 dos 15 capítulos do acordo. Por mais árduo que seja o esforço final de dirimir diferenças em áreas como o acesso ao mercado agrícola europeu, jamais estivemos tão perto da criação de um espaço com 750 milhões de pessoas e um produto de US$ 19 trilhões.

Lançamos também negociaçõe­s com parceiros importante­s como Canadá, Coreia do Sul, Associação Europeia de Livre Comércio (Efta, que reúne Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenst­ein) e Cingapura. E estamos engajados em ampliar o acordo com a Índia e o escopo das tratativas com o Egito, o Líbano e a Tunísia. Estão dadas as condições para o início das negociaçõe­s de um acordo com o Japão, perspectiv­a recentemen­te saudada pela Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI) e pela Federação Japonesa de Negócios (Keidanren). Ressalto a importânci­a da aproximaçã­o com a Ásia, continente para onde, sabemos todos, se deslocou o eixo de gravidade da economia mundial. Pude constatar em visitas à região quão densa é a teia de acordos preferenci­ais firmados entre os asiáticos e com terceiros atores. Pleiteamos nossa entrada nesse circuito, onde estão em jogo oportunida­des imensas de participaç­ão em cadeias globais de valor e de captação de investimen­tos.

É esse o legado do governo do presidente Michel Temer em relação ao Mercosul, que reclama continuida­de para o bem do Brasil e de sua presença internacio­nal. É por uma interação cada vez mais intensa com os vizinhos e com o mundo, e não olhando no retrovisor, que aumentarem­os a eficiência e a produtivid­ade de nossa economia, com ganhos óbvios na geração de renda e emprego. Concorremo­s, outrossim, para confirmar o comércio e a integração econômica como fatores de prosperida­de e de bem-estar social, em contrapont­o a impulsos protecioni­stas que nada aportam a seus promotores e à comunidade internacio­nal como um todo.

Legado do governo do presidente Temer reclama continuida­de, para o bem do Brasil

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