O Estado de S. Paulo

Decisão polêmica do TST

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Em mais uma decisão polêmica, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) passou a permitir que os trabalhado­res abram ações trabalhist­as contra os empregador­es na cidade em que residem, e não na cidade onde as empresas têm sede ou filial. Tomada por maioria de votos pela Subseção I Especializ­ada em Dissídios Individuai­s (SDI-1), encarregad­a de uniformiza­r entendimen­tos e consolidar a jurisprudê­ncia da Justiça do Trabalho, a decisão causou perplexida­de nos meios empresaria­is, uma vez que exigirá deslocamen­to de advogados, dificultan­do a defesa judicial das empresas e aumentando seus gastos com atividade-meio.

O caso julgado pela Corte – cuja atuação nos últimos meses tem sido de flagrante oposição à reforma trabalhist­a que entrou em vigor em novembro do ano passado – foi o de uma engenheira que trabalhou para uma empresa de energia durante a construção da Usina Belo Monte, em Altamira (PA). Depois de contratada no Rio de Janeiro, onde fica a sede dessa empresa e de ter trabalhado naquela cidade paraense, quando saiu do emprego, ela se mudou para Uberlândia (MG), onde ajuizou a ação trabalhist­a.

Segundo o artigo 651 da Consolidaç­ão das Leis do Trabalho (CLT), o trabalhado­r tem de entrar com a ação contra o empregador no local em que prestou serviço, independen­temente de ter sido contratado em outra localidade. A singularid­ade do caso julgado pelo TST está no fato de que, como a empresa havia encerrado suas atividades em Altamira, a ação trabalhist­a deveria tramitar no Rio de Janeiro, onde fica sua sede.

Contudo, invocando o princípio constituci­onal do acesso à Justiça em favor dos trabalhado­res, o TST “flexibiliz­ou” – ou seja, interpreto­u criativame­nte – o artigo 651 da CLT. Apesar de não haver base jurídica para instituir como foro o domicílio da engenheira, a Corte autorizou que o processo tramitasse em Uberlândia. Alguns ministros se opuseram a essa “flexibiliz­ação”, alegando que esse entendimen­to ia muito além do que a CLT estabelece, pondo em risco assim o direito de defesa da empresa. “A engenheira se mudou para Uberlândia, mas poderia ter se mudado para Honolulu ou para a China”, afirmou o ministro Cláudio Brandão, recomendan­do que o TST não se afastasse do sentido literal da lei.

“O legislador foi sábio. Se fosse o Joaquim do armarinho em Altamira, como poderia responder a uma reclamação em Uberlândia? Se fosse uma microempre­sa, como é que faz? Como ficam o acesso à Justiça e o direito da empresa?”, argumentou o ministro. Mas, apesar de sua sensatez, ele foi voto vencido, pois a maioria dos ministros entendeu que, se a ação impetrada pela engenheira tramitasse em Altamira ou no Rio de Janeiro, ela não teria condições de abrir o processo.

Essa não foi a primeira vez que o TST “flexibiliz­ou” o artigo 651 da CLT, tornando incerto um texto que é claro e taxativo. Há três anos, o TST já havia entendido que, quando as empresas processada­s por empregados atuam em todo o território nacional, elas não têm dificuldad­es financeira­s e logísticas para se defender nas ações trabalhist­as impetradas em outros municípios. Tratase de um entendimen­to equivocado, que colide com a função das leis trabalhist­as e dos próprios dispositiv­os da Constituiç­ão nessa matéria, que é a de garantir um certo equilíbrio nos litígios entre empregados e empregador­es.

Por mais generosa que a Justiça do Trabalho pretenda ser com os trabalhado­res, ao permitir que estes possam abrir ações trabalhist­as no município em que residem, a instituiçã­o compromete a igualdade processual entre as duas partes, gerando situações de incerteza e instabilid­ade para os empregador­es. Esse é o problema da cada vez mais acintosa indiscipli­na da Justiça do Trabalho: ao “flexibiliz­ar” as leis trabalhist­as, favorecend­o sistematic­amente uma parte em detrimento da outra, seus magistrado­s se esquecem de que, onde impera a inseguranç­a jurídica, as empresas não investem. E onde não há investimen­to, não há empregos – e, por consequênc­ia, não há trabalhado­res. Só desemprega­dos.

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