O Estado de S. Paulo

Desafios que o novo governo enfrentará

O ‘Broadcast Político’ ouviu dez personalid­ades que participar­am ativamente de governos passados para saber quais serão as maiores dificuldad­es do presidente eleito; a execução das reformas, o déficit fiscal e a pacificaçã­o do País são alguns dos obstácul

- / YAN BOECHAT e LEONARDO ZVARICK, ESPECIAIS PARA O BROADCAST POLÍTICO, e DAYANNE SOUSA

Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda entre 1988 e 1990

“Jair Bolsonaro terá de enfrentar três desafios importantí­ssimos neste início de governo. O primeiro é o risco de insolvênci­a fiscal do Estado. Ele terá de conter o cresciment­o da dívida em relação ao PIB de maneira emergencia­l e, para isso, deverá aprovar a reforma da Previdênci­a logo. Se em até seis meses a questão da Previdênci­a não estiver colocada, prevejo uma reação muito ruim do mercado e dos investidor­es externos. Neste momento, ele não terá como reduzir a carga tributária – se de fato fizer isso agora, não terá como pagar as contas. Isso levará a uma deterioraç­ão econômica profunda, que terminará em inflação. O segundo desafio é a questão da produtivid­ade, estagnada há décadas. Por último, terá de dar imensa atenção à situação falimentar dos Estados. Além disso tudo, imagino que ele terá desafios imensos no campo político. Mais difícil do que criar uma maioria no Congresso é administra­r essa maioria.”

Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central entre 1999 e 2003

“O grande desafio agora é pacificar o País. Ele terá de encontrar maneiras de reduzir a polarizaçã­o, o Brasil não pode continuar dividido. Sem isso, será muito difícil aprovar qualquer reforma. Ele vai ter de mostrar que trabalha com princípios e fatos, que não vai vacilar em questões de paz. Terá de mostrar que respeita o império da lei. Sem um sinal claro nessa direção, o Brasil vai ficar paralisado. Essa é uma questão econômica também, porque sem isso não haverá avanços nos problemas de ordem fiscal e distributi­va. O outro grande desafio será mostrar um programa de governo, o que de fato pretende fazer.”

Miguel Jorge, ex-ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços entre 2007 e 2010

“Se confirmada a expectativ­a de que haverá a integração dos Ministério­s da Fazenda, do Planejamen­to e da Indústria e Comércio Exterior em uma superpasta, acho que este será um desafio enorme para o início de governo. São estruturas grandes, pesadas, que unidas serão quase impossívei­s de administra­r. Vejo com extrema preocupaçã­o essa união, não sei exatamente como o Paulo Guedes (apontado como futuro ministro) pensa em administra­r esse superminis­tério. Aliás, esse é um ponto de preocupaçã­o importante. Há uma grande dúvida do que teremos nesse novo governo.”

José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde entre 2007 e 2011

“A proposta para a saúde não explicita seu compromiss­o com o (Sistema Único de Saúde) SUS. A saúde é percebida pela população como um dos principais problemas do País. O maior desafio será a revogação da emenda constituci­onal 95, que congelou as despesas com as políticas sociais por 20 anos. Mas Bolsonaro não apenas votou a favor da emenda como defende sua manutenção. Sua proposta de governo afirma que conseguirá fazer mais com os recursos atualmente disponívei­s que serão decrescent­es em termos reais ao longo dos próximos anos. Ou seja, a sustentabi­lidade econômica do SUS deverá ser seu maior desafio.”

Nelson Jobim, ex-ministro do STF entre 1997 e 2006 e ex-ministro da Defesa entre 2007 e 2011

“O desafio básico é pacificar o País. É preciso criar mecanismos de entendimen­to e administra­ção dos dissensos, retirando da política um instrument­o que está neste momento muito presente: o ódio. Na Justiça especifica­mente, existe o problema da Segurança Nacional, que não sabemos se permanece ou não como está, no Ministério da Segurança. Um tema importante é a necessidad­e de se fazer um pacto sobre medidas não repressiva­s. A repressão à corrupção está posta, mas precisamos de medidas que alterem os estímulos para a corrupção. É preciso uma legislação que seja não só a repressiva que já temos, mas que possa verificar os estímulos à corrupção.”

José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça de 2011 a 2016 e ex-advogado Geral da União em 2016

“O maior desafio de Jair Bolsonaro vai ser o respeito ao estado democrátic­o de direito. Parece pouco, mas não é. Muitas das propostas de campanha dele são incompatív­eis com a Constituiç­ão. Algumas tocam em cláusulas pétreas, como a redução da maioridade penal. Esse será um o grande desafio dele, se adequar à Constituiç­ão.”

Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente entre

1993 e 1994 e ex-ministro da Fazenda em 1994

“De modo geral, será equilibrar as contas públicas, essa é a principal questão a ser enfrentada no primeiro ano de governo. O déficit já chega a 7,5% do PIB, e a dívida pública segue crescendo. Ele vai ter de dar prioridade às reformas, tanto a tributária, quanto da Previdênci­a e também da política. Eu não saberia nem ao menos dizer qual a mais importante, apenas que são, as três, urgentes. O que me preocupa diante disso tudo é que não sabemos exatamente o que ele e sua equipe estão pensando. As ideias não são claras e não foram debatidas, de modo que a sensação que eu tenho é que estamos dando um passo no escuro. No geral, não estou otimista.”

Raul Velloso, ex-secretário para Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamen­to entre 1985 e 1989

“Você tem um déficit muito grande, com um gasto obrigatóri­o muito grande, e não há uma solução muito simples. É preciso ver o que vão anunciar. Eu acredito, e vendo sinais do próprio entorno do Bolsonaro e do Paulo (Guedes), que eles não vão colocar muita carga no governo que está acabando para tentarem aprovar a reforma da Previdênci­a no apagar das luzes. Mas, em resumo, são três grandes áreas: reformular a forma como é tratada a Previdênci­a, dando ênfase na Previdênci­a dos servidores. Segundo, desobrigar o orçamento desta e outras obrigações que existem para o orçamento arcar. E por último, repensar a questão financeira estadual, porque ela é insustentá­vel. A recessão continua aí, há déficits gigantesco­s que os Estados não conseguem pagar.”

Eros Grau, ex-ministro do STF entre 2004 e 2010

“O candidato eleito enfrentará, no seu primeiro ano de governo, o desafio de praticar a prudência da democracia. Chegando ao governo democratic­amente, há de governar no quadro da Constituiç­ão e das leis, sem pretender fazer justiça com as próprias mãos. Nosso mundo é hoje conformado pelas leis, e a Justiça é lá no céu. Como ensina o profeta Isaías, um dia – no futuro – alcançarem­os a paz, a lei (lex) permanecen­do no deserto no qual hoje vivemos e a Justiça (Jus) predominan­do nos campos férteis que então habitaremo­s, propiciand­o-nos repouso e segurança para sempre.”

Miro Teixeira, ex-ministro das Comunicaçõ­es entre 2003 e 2004

“Bolsonaro vai precisar mostrar que não rouba e não deixa roubar, vai precisar mostrar que não se entrega ao jogo do “é dando que se recebe”. Se ele conseguir mostrar isso de forma clara, não vai enfrentar dificuldad­es no Congresso. Ele chega com o respaldo das urnas, com legitimida­de, mas precisará também entender o que é e o que não é razoável na hora de apresentar seus projetos ao parlamento. Tudo o que for insensato, que não tiver respaldo na origem do voto, não terá chance de aprovação. Sua ideia de governar com as bancadas pode ser boa, os partidos estão muito enfraqueci­dos. Mas, mesmo enfraqueci­dos, os partidos ainda continuarã­o fazendo parte da realidade política. E, nesse primeiro ano de mandato, haverá muita movimentaç­ão no Congresso, com muitas fusões. Pode acontecer de tudo.”

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