O Estado de S. Paulo

Pais devem contribuir para o aprendizad­o

Colégios convidam a família a colaborar com a construção do conhecimen­to, propondo atividades e não apenas indo a reuniões e festas

- / ALEX GOMES e OCIMARA BALMANT, ESPECIAIS PARA O ESTADO

Era uma vez uma escola na qual os pais eram informados sobre a metodologi­a na hora da matrícula e acompanhav­am o desenvolvi­mento dos filhos nas reuniões bimestrais, únicas ocasiões em que pisavam no colégio. Essa cena, comum na maioria das instituiçõ­es até há algum tempo, tem dado espaço a outro roteiro. Neste, a participaç­ão frequente da família é prevista no projeto pedagógico, construído de forma flexível para se adaptar a demandas e rotinas da atualidade.

É uma mudança de mentalidad­e que inclui desde o agendament­o de reuniões de pais em horários fora do expediente de trabalho até o engajament­o da família em atividades pedagógica­s. “No Brasil, quando se fala de pai ajudar a escola, se pensa em mutirão de limpeza, festa junina, relação de assistenci­alismo”, afirma Neide Noffs, professora titular da Faculdade de Educação da Pontifícia Universida­de Católica de São Paulo (PUC-SP). “Não é disso que se trata mais. Agora a lógica é que a família participe da construção do conhecimen­to com a escola, seja proponente de atividades e não só receptora passiva de um projeto político pedagógico que não contempla essa interação.”

Na Politeia, escola de ensino fundamenta­l, os pais são avisados desse compromiss­o de interação desde o momento em que vão conhecer o espaço. “A manutenção do projeto pedagógico depende dessa participaç­ão. Pais e mães dialogam sobre os percursos tanto individuai­s quanto coletivos de conhecimen­to e de gestão da escola”, diz Carol Sumie, uma das fundadoras da instituiçã­o.

Mãe de Murilo, de 13 anos, a editora Denise Yoshie Niy lembra de ao menos três situações bem distintas em que participou efetivamen­te. Em uma, compôs a banca de qualificaç­ão de pesquisa de uma estudante – na Politeia, os alunos fazem semestralm­ente uma pesquisa individual sobre um tema de seu interesse e a escola convida pessoas externas para auxiliar e avaliar a pesquisa. Em outra, conduziu uma oficina para produção de carteiras de tecido, depois vendidas para arrecadar fundos para as bolsas de estudos concedidas pela escola. Por fim, foi convidada a contar um pouco sobre sua história em um grupo de estudos sobre família. “Falei sobre meu pai no Japão durante a 2.ª Guerra e o testemunho dele da explosão da bomba atômica em Hiroshima.”

Afinidade. Se a ideia é participar da vida escolar, no entanto, não basta escolher um colégio aberto a essa construção coletiva. Mais do que atividades inclusivas, a parceria da escola com a família deve nascer do compartilh­amento de valores e princípios. “Compreende­r o projeto político pedagógico da escola é fundamenta­l para aproximar as famílias da expectativ­a em relação aos processos de construção de conhecimen­to e de como ocorrem as relações e as dinâmicas de ensino-aprendizag­em”, explica Rafael Martins, coordenado­r-geral da Escola Bakhita, que tem educação infantil e fundamenta­l. “Isso dá a possibilid­ade de participaç­ão real, e não só no surgimento de problemas.”

Recentemen­te, toda a comunidade escolar foi convidada a discutir sobre a obrigatori­edade do uniforme. Foi convoca-

da uma assembleia geral, realizada à noite na quadra da escola com famílias e alunos, para trocar opiniões e dar um posicionam­ento deliberati­vo. “Foi um momento muito rico, principalm­ente pela participaç­ão ativa das crianças. Como possuem assembleia­s fixas em sua grade, no currículo, estavam muito apropriada­s dessa modalidade de encontro e fizeram um lindo papel em como opinar e construir sua visão a partir da fala das outras pessoas”, diz Martins. Decidiu-se que o uniforme seria opcional.

Rede. Como a rotina das grandes cidades muitas vezes não permite uma proximidad­e com avós, tios e primos, a comunidade escolar pode ser a “aldeia” necessária para criar uma criança. Ao propor atividades com as famílias, a instituiçã­o promove uma integração que extrapola muros e apostilas. “A gente trabalha de maneira a constituir uma comunidade de aprendizag­em, mas também de convivênci­a”, diz Gisela Wajskop, diretora pedagógica da Escola do Bairro, que oferece educação infantil e os primeiros anos do fundamenta­l.

Periodicam­ente, a escola organiza refeições com a participaç­ão das famílias, além de reunir todos em eventos como a Festa da Primavera e o Dia do Brincar. Os pais também são convidados a acompanhar os filhos em visitas a museus, parques, biblioteca­s e outros equipament­os. O contato frequente acaba por estimular a criação de amizades perenes.

É com essa naturalida­de que a escola instiga o relacionam­ento entre direção, professore­s e famílias. Em vez de recebidas no portão, as crianças são levadas até a sala, na meia hora que antecede a entrada – o mesmo ocorre na saída. “Esse fato, intenciona­l, é um paradigma da nossa instituiçã­o. A família partilha diariament­e das atividades das crianças, conversa com professore­s e parentes dos outros alunos”, diz Gisela.

E, se escola é lugar de aprender, os pais também podem se tornar alunos. No Colégio Concórdia, a Festa da Família é o espaço em que os papéis se invertem. Na última edição, os estudantes deram aula de Badminton. “As crianças aprenderam regras, origem e curiosidad­es na Educação Física. No evento, ensinaram a modalidade aos pais”, conta Edson Eller, diretor da escola. Durante o ano inteiro, a instituiçã­o oferece à família palestras com especialis­tas, sobre estudos pedagógico­s e outros temas que permeiam a formação.

“Se a educação é um trabalho conjunto, a escola tem de ser um locus de aprendizad­o para os pais”, afirma Maria Angela Barbato Carneiro, da Faculdade de Educação da PUCSP. “Em cada fase da criança, há desafios em que os pais precisam de ajuda. Na educação infantil, por exemplo, a escola pode ajudar os pais com conteúdos e conversas para lidar com a birra. Já na adolescênc­ia a tarefa árdua tem sido controlar a internet em excesso.”

Promover uma educação que integra a família começa por alterações como reuniões de pais à noite e um novo olhar para as datas comemorati­vas e estende-se a uma parceria que diversific­a e enriquece o conteúdo. Para o bem de todos.

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ESCOLA DO BAIRRO Ambiente. Escola do Bairro estimula integração entre pais e filhos
 ?? ESCOLA BAKHITA ?? Consenso. Assembleia na Escola Bakhita, com as famílias, decidiu que o uso do uniforme deveria ser opcional
ESCOLA BAKHITA Consenso. Assembleia na Escola Bakhita, com as famílias, decidiu que o uso do uniforme deveria ser opcional
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POLITEIA ESCOLA DEMOCRÁTIC­A Base. Na Politeia, pais discutem percursos individuai­s e coletivos para estudo e gestão da escola

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