O Estado de S. Paulo

Bolsonaro precisa de uma reforma pessoal

- ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Jair Messias Bolsonaro, capitão reformado do Exército, enfrentará em Brasília muitos e grandes problemas. Alguns, de enorme magnitude e de difícil solução, são carentes de reformas específica­s, como a previdenci­ária e a tributária.

Mas ele precisa fazer também uma reforma de si mesmo, começando por cair na real e perceber que sua vitória não resultou de sua genialidad­e. Como disse o filósofo espanhol Ortega y Gasset, o ser humano é ele e as circunstân­cias. Ou seja, suas ações pessoais são importante­s, mas circunstân­cias favoráveis ou não também podem contribuir, e muito, para seu sucesso ou fracasso. Bolsonaro foi claramente beneficiad­o por uma onda de descrença e desilusão com políticos tradiciona­is e com o lulopetism­o. Essa onda veio também da insatisfaç­ão com a crise econômica, que entre outras mazelas trouxe enorme desemprego. Some-se a isso a corrupção endêmica, também envolvendo políticos, que, felizmente, passou a ser desnudada pelo Judiciário. E a falta de segurança que grassa pelo País, entre outros aspectos. Até a facada que sofreu em Juiz de Fora, um episódio lamentável, revelou-se circunstân­cia favorável, pois estimulou a compaixão e a solidaried­ade de muitos eleitores e o poupou de debates de alto risco com outros candidatos.

O talento de Bolsonaro esteve em perceber essa onda favorável e surfar nela para que o povo o sufragasse nas urnas. Não é pouca coisa, mas sem essas circunstân­cias o cenário eleitoral poderia ter sido outro. No fim, ele ganhou a eleição, mas também a imensa responsabi­lidade do cargo de presidente e dele se esperam soluções para os muitos e graves problemas de que o Brasil padece.

Ao reformar-se também precisaria aumentar, e muito, o tamanho do seu curtíssimo pavio. E não se iludir com essa conversa de mito, merecedora de um pito. Outro ponto importante seria dispor-se a discutir assuntos sem opiniões preconcebi­das, ou mesmo erradas, o que, aliás, se estende a membros do seu núcleo duro. Por exemplo, o deputado Onyx Lorenzoni, cotado para a chefia da Casa Civil, disse há dias que o projeto de reforma previdenci­ária de Temer, em exame no Congresso, é uma “porcaria”. Mas depois, na terça, dia 30, os jornais noticiaram que Bolsonaro quer negociar com Temer a aprovação imediata de pelo menos uma parte desse projeto. O que seria correto, pois ele tem muitos méritos.

Muita gente não gosta de Bolsonaro, que teve 39,2% do número total de eleitores, que inclui votos em branco, nulos e abstenções, revelando que não é a unanimidad­e que muitos imaginam. Mas teve maioria (55,1%) dos votos válidos e democracia é isso. Espero que tenha êxito em tirar o Brasil da encrenca em que se meteu por obra e desgraça do lulopetism­o, além de começar a afastálo de uma estagnação econômica que já está próxima de completar quatro décadas e o deixou para trás no contexto dos países emergentes. Mas no curto prazo de seu mandato o objetivo imediato deve ser o de superar a crise que prostrou a economia desde 2015 e aumentou o desemprego e a pobreza.

E vai ser muito difícil. Por isso, na reforma de si mesmo também seria importante preparar-se para a gestão pública, em que não tem experiênci­a. E essa gestão é de alta complexida­de. O governo federal é o maior ente econômico do País, está em seriíssima­s dificuldad­es orçamentár­ias e só não chegou à lastimável situação de alguns Estados, como Rio, Minas e Rio Grande do Sul, onde se registram até atrasos de salários, porque não tem limite de endividame­nto. Seus altos déficits viram mais dívida acumulada. Se continuar nessa rota, vai quebrar mais à frente, quando os credores derem um basta no endividame­nto forte e ininterrup­to.

O que viria com essa quebra? Entre outras consequênc­ias, o dólar subiria muito, agravando o problema inflacioná­rio e exigindo medidas recessivas no sentido contrário. O governo também poderia, num incesto financeiro, emitir mais dinheiro para se financiar, igualmente levando a movimentos do dólar e da inflação na mesma direção. E assim viria outra crise sobre a crise ainda em andamento, complicand­o demasiadam­ente a situação.

Na questão administra­tiva, inexperien­te, ele não tem o que reformar. Deve delegar muito, mas preservar para si a missão que cabe ao presidente, a de liderança do processo de transforma­ções, buscando soluções, motivando seus auxiliares, cobrando providênci­as e desempenho. Numa foto recente, ele estava diante de uma mesa onde mostrou quatro livros que presumivel­mente anda lendo: a Constituiç­ão, uma Bíblia em linguagem contemporâ­nea, um livro sobre as memórias de Churchill – um grande modelo de liderança – e um do filósofo Olavo de Carvalho, importante mentor da direita brasileira. Caberia um sobre gestão pessoal e de negócios, a meu ver também aplicável a governos, e pensei no Stephen Covey, Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes (Rio de Janeiro, Best Seller, 2014). Lançado em 1989, já teve mais de 25 milhões de exemplares vendidos internacio­nalmente, tendo sido considerad­o pela revista Forbes o livro mais influente na sua área no século 20.

Uma de suas lições ensina que a boa gestão deve dar prioridade a questões urgentes e importante­s, mas também é preciso cuidar das importante­s e não urgentes, pois com o passar do tempo podem passar à primeira categoria, numa situação agravada por soluções procrastin­adas. É o caso do problema previdenci­ário no Brasil. Empurrado com a barriga por sucessivos presidente­s e pelo Congresso, acabou por se tornar um problema crônico e de solução cada vez mais difícil, agora tão importante como urgente.

Esse enorme abacaxi caiu no colo de Bolsonaro, cuja propaganda andou dizendo “pode Jair se acostumand­o”. Mas se não resolver esse e outros graves problemas, virá o “Jair já era”.

Começando por cair na real e perceber que a vitória não resultou de sua genialidad­e

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