O Estado de S. Paulo

‘Pós-Paiçandu’, só 3 de 51 ocupações têm fim definido

Relatório da Defesa Civil detalha problemas em imóveis invadidos por sem-teto na capital; Prefeitura prevê desocupar mais 2 neste mês

- Paulo Roberto Netto Felipe Resk

Sem-teto confinados em uma antiga sala de cinema, revestida de material inflamável e com fiação à mostra. Barracos espalhados em vielas ou locais fechados, sem rota de fuga. Prédios que não têm sequer um extintor. Seis meses após a tragédia no Edifício Wilson Paes de Almeida, no Largo do Paiçandu, no centro, outras ocupações de São Paulo ainda enfrentam riscos de incêndio e convivem com moradores vulnerávei­s.

Entre maio e junho, a Prefeitura fez vistoria em 51 invasões e interditou três. A gestão Bruno Covas (PSDB) ainda discute a situação de 27 – duas devem ser desocupada­s neste mês e uma terceira também pode ser interditad­a, segundo a Prefeitura. As demais vão passar por reintegraç­ão de posse ou estão destinadas à construção de moradia popular.

Relatórios da Defesa Civil, obtidos pelo Estado, mostram que o problema mais comum é com instalação elétrica. Também há locais com infiltraçõ­es e fissuras em paredes, lajes e marquises. “Processos avançados de degradação podem redundar em riscos estruturai­s”, aponta em sete casos.

Um dos mais graves está na Avenida Rio Branco, bem na frente dos escombros do Wilton Paes de Almeida, que desabou em maio, deixando sete mortos. Cerca de 70 famílias ficam em uma sala de projeção desativada, sem ventilação ou luz natural. Segundo relatório, há fios expostos em ambiente fechado, o que aumenta riscos de incêndio com concentraç­ão de chamas e fumaça, dificultan­do a fuga dos moradores.

Encampada pela Frente de Luta por Moradia (FLM), a invasão existe há sete anos. “Todos ficamos com medo depois que o prédio da frente caiu, mas ninguém mora aqui porque quer”, disse um sem-teto. O movimento não autorizou a reportagem a entrar. Em nota, a Prefeitura afirma ter visitado o local ontem e “houve mitigação dos riscos por parte dos ocupantes”.

Em agosto, a Prefeitura estabelece­u o Grupo de Trabalho Permanente, responsáve­l pela negociação com os sem-teto. Segundo Márcia Telizzi, do grupo, a prioridade é resolver casos mais graves ou em que resta impasse judicial. “Estamos atuando, mesmo que parcialmen­te, com os que estão em pior situação, enquanto fazemos novas vistorias.”

Incerteza. Em um galpão na Vila Ema, na zona leste, a ausência de luz toma conta dos três andares e o ar é pesado de respirar, tamanha a umidade. No alto há gambiarras e vários mosquitos voando em círculos sobre a cabeça de 140 famílias, incluindo crianças e um jovem com síndrome de Down. A ocupação não conta com liderança de movimento social.

A Justiça já notificou sobre a reintegraç­ão de posse, marcada para o dia 15. Todos concordara­m em sair. “Não consigo mais dormir à noite”, diz a desemprega­da Helena Silva, de 29 anos, que vive com três filhos – o mais novo de 7 anos. “Vamos ter de morar embaixo da ponte.”

Na Vila Ema, os banheiros são individuai­s. No barraco de Helena, feito de madeira, não há sanitário e é preciso usar uma caixa de areia. “Não queria sair, aqui meus filhos não passam fome.”

Os sem-teto até pensaram em investir em extintores, mas desistiram. “Muita gente não tem dinheiro. Qual o sentido de fazer vaquinha para depois ter de sair daqui?”, indaga Janaína Andrade, de 33 anos.

Já na Rua Alexandrin­o da Silveira Bueno, no Cambuci, no centro, moradores se juntaram para investir em segurança. Lá, os barracos ficam colados uns aos outros, sem saída de emergência. “Depois do Paiçandu, cada um deu R$ 10 e colocamos extintores”, diz o comerciant­e Guilherme Álvaro, de 42 anos. “A Prefeitura pediu, mas quem pagou foi a gente.” A gestão planeja interditar o local.

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FELIPE RAU/ESTADÃO Vila Ema. Sem banheiro, moradores usam caixas de areia

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