O Estado de S. Paulo

Câmbio sem flutuação e sem bate-cabeças

- E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Oprograma de governo do presidente eleito Jair Bolsonaro é tão vago e metafísico, especialme­nte em política econômica, que manifestaç­ões de quem ande por perto dele podem mexer com ansiedades.

Um dia depois de conhecidos os resultados da eleição, o ministro indicado para a Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), entendeu que devesse dar seu pitaco sobre como teria de ser a política cambial do novo governo.

O raciocínio prima pelo desconheci­mento. Para ele, assim como o Banco Central busca estabilida­de de preços e de juros, também garantiria a estabilida­de do câmbio. Ou seja, teria de garantir estabilida­de das cotações da moeda nacional em relação à estrangeir­a. Trata-se de condição indispensá­vel para o bom funcioname­nto dos negócios.

Tem muito empresário que pensa assim. Quer que dívidas em moeda estrangeir­a, que os preços dos produtos importados ou dos produzidos internamen­te, mas cotados em moeda estrangeir­a (commoditie­s, por exemplo), também sejam relativame­nte estáveis, ou oscilem apenas dentro de uma banda estreita, com piso e teto predetermi­nados, que é para dar “previsibil­idade e segurança aos empresário­s”, como disse Onyx.

Quando indagado sobre o assunto, o ministro indicado para a Economia, Paulo Guedes, desautoriz­ou imediatame­nte a lucubração: “É um político falando de economia”. E ficou para muitos a impressão que futuros superminis­tros estavam batendo cabeças.

Os pressupost­os “conceituai­s”, como os chamou Onyx, contrariam os manuais, como se alguém quisesse ignorar os efeitos da lei da gravidade.

Qualquer principian­te em Economia Política conhece o Trilema de Mundell-Fleming, que se enuncia mais ou menos assim: numa economia aberta, só é possível perseguir simultanea­mente dois entre três objetivos: livre fluxo de capitais, liberdade para definição de uma política de juros e câmbio fixo.

Se o Banco Central precisa de autonomia para calibrar o volume de moeda e definir os juros e se a economia está aberta para entrada e saída de moeda estrangeir­a, o câmbio não pode ser fixo nem relativame­nte fixo. Tem de flutuar.

Se é para manter as cotações do dólar dentro de um sistema de bandas, o Banco Central terá de intervir no mercado sempre que a banda começar a ser ultrapassa­da. Terá de comprar dólares (e emitir reais) a cada vez que a cotação do dólar resvalar para abaixo do piso da banda e terá de vender dólares (recolher reais) a cada vez que as cotações do dólar ultrapassa­rem o teto da banda.

Ou seja, o volume de moeda nacional na economia ficará refém do fluxo de dólares e, nessas condições, não se mantém uma política autônoma de juros.

Outra possibilid­ade seria barrar o fluxo de moeda estrangeir­a, mas isso exigiria intervençã­o nos investimen­tos estrangeir­os, na saída de capitais e no comércio exterior, de maneira a impedir a entrada ou a saída de dólares em excesso, capazes de provocar oscilações indesejada­s nas cotações.

Como pouco se sabe do que será a próxima política econômica e o próprio Bolsonaro reconhece conhecer pouco o assunto, muito desse caminho terá de ser feito ao andar, como no poema de Antonio Machado. Quer dizer, a temporada está aberta para bizarrices de todo calibre, com ou sem bateção de cabeças.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Diferenças. Guedes e Lorenzoni
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