Um gosto de sangue
Outra coisa não se espera de Von Trier. Tem gente que acha A Casa de Jack seu pior filme, outros, o melhor em anos. Em maio, Dillon foi sincero – “Ainda não tenho distanciamento para avaliar o filme nem o personagem. Só posso dizer que Lars é o oposto do sujeito arrogante e autoritário que muitos de seus filmes talvez sugiram. É um dos diretores mais doces com quem trabalhei.”
E olhem que Dillon, de 54 anos, tem interpretado em filmes e séries desde muito jovem, em 1979. Só com Francis Ford Coppola foram dois filmes – Vidas sem Rumo e O Selvagem da Motocicleta.
Outros dois com Gus Van Sant – Drugstore Cowboy e Um Sonho sem Limites. Fez rir com os irmãos Farrelly (Quem Vai Ficar com Mary?)
e com Frank Oz (Será Que Ele É?).
Na TV, participou de Modern Family e Wayward Pines, além de ter dado voz a Louie em The Simpsons. Dillon não se furta a fazer comparações. “Lars é doce, mas não foi um set fácil, com tantas cenas brutais. Diverti-me muito mais com os Farrelly. Coppola eu conheci muito jovem, quando não tinha experiência nenhuma. Só estar num set dele... Meu Deus! Faria não importa o quê.” De volta à Casa de Jack, Dillon disse que entendia as reações divididas em Cannes. “Lars sempre provoca reações apaixonadas, e no caso desse filme mais ainda. Seria muito estranho, se fosse unanimemente apreciado.”
Von Trier disse ao Estado que entendia mais de psicopatas do que de serial killers. Brincou – “Nunca matei ninguém, o que significa que todo esse filme é uma imensa fantasia. Se matasse, talvez fosse algum jornalista.” E Dillon, sobre o fato de a violência gráfica do filme ser dirigida principalmente contra mulheres – “Quer provocação maior, em plena fase de empoderamento feminino? Jack mata homens, ele conta, só não vemos com tantos detalhes.” Na trama que segue, por rupturas, o protagonista ao longo de 12 anos, Jack lembra seus crimes (mais) emblemáticos. Ele os descreve para Verge, o enigmático personagem de Bruno Ganz. Após cinco partes, ainda vem um epílogo – o inferno. “Lars gostava de contar que, mais que outros filmes de serial killer, sua fonte de inspiração foi a literatura de Patricia Highsmith. Aquela sabia matar.” Bem entendido que, nos livros e filmes neles baseados.
Von Trier não foge à psicologização da violência de Jack – o episódio da infância –, mas Dillon observa. “Acho que tem ali um humor perverso, uma certa ridicularização. É isso, mas não só isso.” Dillon não fugiu nem mesmo à questão mais embaraçosa de todas. Considerando-se que Jack está presente em cena o tempo todo, e na maioria delas matando com requintes de crueldade, o filme não faz dele um assassino carismático como o Hannibal Lecter de O Silêncio dos Inocentes, de Jonathan Demme. “Estamos falando de uma ‘Oscar winning performance’. E não é só a questão da interpretação. O mundo mudou muito nesses quase 30 anos (O Silêncio é de 1991). Tem havido uma banalização cada vez maior da violência, na arte como na vida. Lars não queria glamourizar. Falam mal dele, mas, como homem e artista, é responsável. Provoca, e agride, mas para tudo há um limite.” Um último tema, a direção. Há tempos Dillon trabalha com um amigo músico num documentário sobre música cubana. O filme vai narrar a jornada deles através da música da ilha. “É muito íntimo e excitante, e por isso tem exigido tanto. Não creio que vá querer dirigir outra coisa.”
“Lars diz que os EUA, com Trump, viraram o território perfeito para expressar esse mundo sem alma”
Quer provocação maior, em fase de empoderam ento feminino? Jack mata homens também, mas os detalhes são de quando mata mulheres”