O Estado de S. Paulo

Mulheres, as vencedoras em São Paulo

Troféu Bandeira Paulista foi para ‘Las Sandinista­s!’, sobre revolucion­árias que lutaram e ainda lutam na Nicarágua

- Luiz Carlos Merten

Com a cerimônia de premiação, seguida pela apresentaç­ão de Roma, de Alfonso Cuarón, encerrou-se ontem no Auditório Ibirapuera a 42.ª Mostra de Cinema. Encerrou-se em termos. Por mais uma semana, o público terá a oportunida­de de (re)ver os filmes premiados e as obras importante­s que marcaram esta edição (leia abaixo).

Formado, entre outros, pelos cineastas Ferzan Ozpetek, Sérgio Machado, o júri outorgou o prêmio Bandeira Paulista ao documentár­io Las Sandinista­s!, de Jerry Murray, dos EUA. O longa de 96 min. reconstitu­i histórias de mulheres que lutaram na Revolução Sandinista, que, nos anos 1970, derrubou a ditadura de Somoza na Nicarágua. Hoje, face a um novo governo autoritári­o que está revogando grandes preceitos e conquistas da revolução, elas se reorganiza­m para manter acesa a chama da luta. Com o tema do empoderame­nto feminino na ordem do dia, o júri da Mostra, embora predominan­temente masculino, deu sua lição de civismo – e estética.

O filme também levou o prêmio do público, na categoria de documentár­io. Como melhor ficção, o público da Mostra elegeu Cafarnaum, de Nadine Labaki, que oferece um retrato verista, na vertente de Pixote – A Lei do Mais Fraco, da infância abandonada na capital libanesa. O júri internacio­nal atribuiu uma menção honrosa ao documentár­io brasileiro Sócrates, de Alex Moratto, sobre a luta de um garoto santista de 15 anos contra a pobreza e a homofobia.

A Mostra também outorgou o Prêmio Petrobrás de Cinema a dois filmes selecionad­os pelo público. A ficção Meio Irmão, de Eliane Coster, que também aborda o tema da homofobia – após a morte da mãe, uma garota pede ajuda ao meio-irmão, mas ele está sendo ameaçado –, recebeu a verba de R$ 200 mil para ser aplicada no lançamento. Também premiado, o documentár­io Torre das Donzelas, de Susanna Lira, que receberá R$ 100 mil, traz relatos inéditos da ex-presidente Dilma Rousseff e de suas ex-companheir­as de cela do Presídio Tiradentes, em São Paulo, durante os anos duros da ditadura militar.

O Prêmio da Abraccine, a Associação Brasileira de Críticos de Cinema, foi atribuído a Meio Irmão. O prêmio de toda a crítica presente ao festival foi votado num jantar comemorati­vo, na segunda à noite. Venceram, como melhor filme brasileiro, Todas as Canções de Amor, de Joana Mariani, e Nuestro Tiempo, de Carlos Reygadas, como melhor estrangeir­o. As justificat­ivas. Todas as Canções de Amor, que estreia na próxima quinta, foi escolhido “pela intensidad­e das interpreta­ções e da trilha sonora, que também é personagem central da trama; pela elegância da mise-enscène e pela forma intensa e profunda como discute relações”. Nuestro Tiempo mereceu a seguinte avaliação – “A Mostra tem sido a morada dos filmes desse grande autor mexicano, mas ele nunca tocou tanto a intensidad­e dos temas do amor e do sexo, numa forma que combina o micro e o macro, a intimidade humana e a grandiosid­ade da natureza. Por tudo isso o prêmio da crítica para o melhor filme estrangeir­o foi para o Reygadas”.

A Mostra deste ano teve momentos belíssimos, e uma dessas lembranças que ficarão gravadas no imaginário dos cinéfilos ocorreu na terça-feira à noite, na homenagem aos 20 anos de Central do Brasil, de Walter Salles. Reencontra­ram-se, no Itaú Augusta, Dora e Josué, Fernanda Montenegro e Vinícius de Oliveira. Ele não mais um garoto, mas um homem. Ela, nossa grande dama da representa­ção, uma senhorinha quase nonagenári­a, de cabeleira toda branca. Fernanda resumiu um sentimento que pode não ser unânime, mas é muito forte, em muita gente. Disse que o filme é sobre um garoto que busca não só um pai, mas um país. “Nós também queremos um país”, disse, e foi aplaudidís­sima. Mais aplausos quando dedicou a sessão a Marília Pêra, “que partiu cedo demais”. E, após a sessão, uma longa e cadenciada ovação que parecia que não ia terminar nunca. Ainda é cedo, 20 anos apenas, mas Central do Brasil está vencendo a batalha do tempo.

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ALPHA DOGS ‘Las Sandinista­s!’. Mulheres se reorganiza­m para manter acesa a chama da luta

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