O Estado de S. Paulo

Para professora de Harvard, cacau só melhora se produtor for educado

- Ana Paula Boni

O sistema de pontuação que classifica produtos como café ou vinho ajuda a padronizar avaliações pelo mundo. Mas como comprar amêndoas de cacau a léguas de distância se não existe um sistema unificado nem o produtor sabe analisar o próprio cacau? O problema, que leva marcas de chocolate a cruzarem o mundo para provar amêndoas in loco, virou desafio para uma professora de Harvard.

PhD em antropolog­ia, Carla Martin pesquisa, há anos, ética e política na indústria do cacau. Morou em São Tomé e Príncipe, teve contato com fazendas, estendeu seus limites a outros países e, de 2010 a 2015, fez uma pesquisa que alcançou 350 produtores de cacau. Concluiu que deveria se dedicar à educação dos cultivador­es e fundou em 2015 o Fine Cacao and Chocolate Institute (FCCI, Instituto de Cacau Fino e Chocolate).

Além de dar cursos de análise sensorial pelo mundo, criou duas frentes de avaliação, disponívei­s no site do FCCI (chocolatei­nstitute.org). O primeiro é um método com protocolo de avaliação de amêndoas de cacau (fermentada­s e secas, não torradas), que criou ao lado do chocolatei­ro bean to bar Colin Gasko (do Rogue Chocolate).

Disponível em inglês, espanhol e português, aponta o que podem ser qualidades e defeitos da amêndoa antes e depois de ela ser torrada e moída. E para o produtor, que não é chocolatei­ro, o FCCI desenvolve­u um método que envolve uma pipoqueira (para dar uma leve torrada na amêndoa) e um moedor de café, para que o produtor possa saber o gosto que terá o chocolate feito do seu cacau.

“Nosso sonho é que o produtor possa avaliar seu cacau, melhorar, eliminar defeitos e vendê-lo melhor”, conta Carla, que esteve em São Paulo na semana passada para eventos. Hoje, diz, o método é usado por produtores em pelo menos 33 países.

Para exemplific­ar a obscuridad­e do setor, em que muitos produtores não sabem o gosto do seu cacau, Carla cita a África. “Hoje, 74% do cacau do mundo é africano, mas os africanos comem só 4% do seu cacau”, diz ela, segundo quem uma instituiçã­o avaliadora como o Centro de Inovação do Cacau (CIC), na Bahia, é uma vantagem para o Brasil. O próprio CIC, antes de ser inaugurado, em 2017, recebeu orientação do FCCI, conta Carla. “A América Latina tem uma cena muito interessan­te. Nos EUA, os chocolatei­ros morrem de ciúmes, pois não têm a cultura do campo do cacau.”

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ACERVO PESSOAL
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Nos EUA. A antropólog­a Carla Martin, que estuda a indústria do cacau

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