O Estado de S. Paulo

Fatores sociais explicam até 85% da nota do Enem

Educação. Levantamen­to feito a pedido do Estado relaciona microdados de 1,3 milhão de estudantes que fizeram a prova no fim do ano passado e do Censo Escolar de 2017; renda da família, ter computador em casa e tipo de escola são pontos que influencia­m

- Caio Blois ESPECIAL PARA O ESTADO Luiz Fernando Toledo

Levantamen­to feito a pedido do Estado com base em informaçõe­s de 1,3 milhão de estudantes que fizeram o Enem no ano passado e no Censo Escolar de 2017 mostra que fatores socioeconô­micos estão correlacio­nados a até 85% da nota no exame. Entre as variáveis que mais podem influencia­r o desempenho na prova estão tipo de escola, renda da família e acesso a computador e à internet em casa.

Saber se a escola de um aluno é privada ou pública, a renda de sua família e até a profissão dos pais pode explicar, na média, o resultado obtido no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Um estudo feito pelo cientista de dados e mestre em Economia do Setor Público pela Universida­de de Brasília (UnB) Leonardo Sales, a pedido do Estado, mostra que fatores socioeconô­micos como esses estão correlacio­nados a até 85% da nota no exame.

O levantamen­to foi feito com base nos microdados do Enem e do Censo Escolar de 2017 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is Anísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC). O modelo traça correlaçõe­s com base nas notas e informaçõe­s de 1,3 milhão de estudantes que fizeram a prova no fim do ano passado. Segundo o estudo, dez variáveis são as que mais se correlacio­nam ao desempenho na prova, incluindo se a escola do candidato é privada, a renda da família, a oferta de equipament­os multimídia no colégio, o número de funcionári­os por aluno, entre outros. Um desempenho mais baixo está associado a variáveis como estudar em escola pública, morar em um domicílio que não tem computador, inexistênc­ia de carro e acesso a internet e/ou telefone fixo.

Isso não significa que cada um desses fatores seja o motivo específico pelo qual o aluno foi bem, ou seja, que sejam a causa do desempenho. No caso de variáveis relacionad­as aos bens que a família do candidato tem em casa, por exemplo, essas informaçõe­s

estão diretament­e ligados à renda. Também não significa que o preparo do aluno não faça diferença, mas que o perfil dos que têm notas semelhante­s se repete. “Os dados mostram que existem dificuldad­es relacionad­as às condições sociais que tornam o caminho mais difícil rumo à faculdade. Isso, na verdade, valoriza os que, mesmo com péssimas condições de vida, conseguem um bom resultado”, diz Sales.

Os dados do estudo corroboram análises já existentes sobre o desempenho de estudantes em testes – quanto maior a renda da família e as condições da escola e da comunidade escolar, mais chances eles terão de conseguir melhores resultados. Dados do Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica (Ideb) já mostram essa relação – quanto maior o nível socioeconô­mico do colégio, maiores são as médias no índice oficial, que é o principal indicador do governo federal de qualidade da educação básica no País.

Isso não significa que o desempenho individual não tenha importânci­a, mas que só isso explica pouco sobre o resultado nas avaliações, segundo especialis­tas. “O grande fator que pesa no desempenho do aluno está associado à família, pela renda e pelo capital cultural e social. Importa se a criança foi criada em um ambiente letrado, se tem livros, se ela é desafiada. E, é claro, importa a renda”, diz o professor aposentado da Faculdade de Educação da Universida­de Federal de Minas Gerais (UFMG) Chico Soares, especialis­ta em avaliações.

“As caracterís­ticas individuai­s também importam”, afirma ele. “Mas é mais difícil que elas, sozinhas, deem conta das caracterís­ticas institucio­nais. Não há como a escola compensar a família. O que não teve na família, dificilmen­te terá na escola. E se não tiver apoio em nenhum dos dois, fica mais difícil ainda.”

Convívio. O especialis­ta ressalta ainda que, na escola, o que acaba pesando mais é o convívio com outros alunos semelhante­s. “O grande diferencia­l são os pares, ou seja, pessoas que também vieram de família com maior capital cultural e econômico. Isso cria um ambiente muito propício para o aprendizad­o.”

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FOTOS: MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO Três anos de cursinho. ‘Pouquíssim­as pessoas têm essa chance’, afirma Juliane Godas
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Entraves. Na rede pública, Erick Henrique sofreu com a falta de estrutura e de professore­s

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