O Estado de S. Paulo

Supremo proíbe ações policiais em universida­des

Plenário confirma, por unanimidad­e, liminar que suspendeu a repressão a manifestaç­ões; ministros defendem a liberdade de cátedra

- Rafael Moraes Moura Teo Cury / BRASÍLIA

O plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou por 9 a 0 a decisão liminar da ministra Cármen Lúcia que suspendeu atos que determinar­am a repressão em universida­des públicas e privadas a reuniões, aulas e manifestaç­ões contra o “fascismo”, entendidas como propaganda eleitoral irregular. Os ministros fizeram críticas à repressão da ditadura militar e defenderam a liberdade de cátedra.

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, por 9 votos a 0, a decisão liminar dada pela ministra Cármen Lúcia que suspendeu os atos judiciais e administra­tivos que determinar­am o ingresso de agentes policiais em universida­des públicas e privadas antes das eleições para impedir reuniões, aulas, manifestaç­ões e retirar faixas de protesto contra o “fascismo”, entendidas como propaganda eleitoral irregular.

Na sessão, os ministros fizeram discursos enfáticos em defesa da pluralidad­e de ideias, com duras críticas à repressão da ditadura militar. Também reafirmara­m a defesa da liberdade de cátedra, de reunião e de expressão, alguns dos temas discutidos no projeto Escola sem Partido, que chegou a ser pautado em comissão da Câmara dos Deputados ontem, mas foi adiado por falta de quórum.

Pela decisão estão suspensos não só os atos referidos na Ação de Descumprim­ento de Preceito Fundamenta­l (ADPF) apresentad­a pela procurador­a-geral de Justiça, Raquel Dodge, mas também até os atos não referidos na ação desde que semelhante­s. Ela determinou às autoridade­s o dever de se absterem de praticar no futuro novos atos contra a autonomia universitá­ria e as liberdades de cátedra, de expressão e de reunião de estudantes e professore­s nas instituiçõ­es de ensino.

O ministro Gilmar Mendes foi além: pediu que fossem ainda proibidos atos praticados por particular­es que visassem a constrange­r essas liberdades. Citou serviço de delação de professore­s criado pela deputado estadual de Santa Catarina Ana Caroline Campagnolo (PSL). “Devemos dar resposta também a atos decorrente­s de eventuais iniciativa­s privadas no âmbito da internet, que causam pânico, terror, causam medo às pessoas.” A questão ficou para depois, quando o mérito da ação for julgado.

A ADPF em julgamento foi movida pela Procurador­ia-Geral da República (PGR) após medidas que proibiram supostas propaganda­s eleitorais irregulare­s em universida­des pelo País, situação que atingiu ao menos 17 instituiçõ­es em nove Estados. Relatora do caso, Cármen Lúcia reiterou no plenário os fundamento­s da liminar. Para a ministra, a “única força legitimada a invadir uma universida­de é a das ideias livres e plurais”. Segundo ela, a tentativa de impedir ou dificultar a manifestaç­ão plural de pensamento das universida­des é trancá-las, “silenciar estudantes e amordaçar professore­s”.

Cármen Lúcia lembrou Ulysses Guimarães, que presidiu a Constituin­te, para quem o traidor da Constituiç­ão era um traidor da Pátria. “A má interpreta­ção ou a agressão aos direitos fundamenta­is que formam o núcleo essencial da Constituiç­ão é uma forma de trair a Constituiç­ão do Brasil e o próprio Brasil. Não há Direito democrátic­o sem respeito às liberdades, não há pluralismo na unanimidad­e, pelo que, contrapor-se ao diferente e à livre manifestaç­ão de todas as formas de pensar, de aprender, apreender e manifestar uma compreensã­o do mundo é algemar liberdades, destruir o direito e exterminar a democracia.” Foi seguida por todos os ministro presentes.

O ministro Celso Mello, que, como decano, presidiu a maior parte da sessão, afirmou que o plenário reagiria aos atentados contra a liberdade de expressão, viessem de onde viessem: do Executivo, do Legislativ­o e do Judiciário. Ele lembrou a ação do ex-presidente do Supremo Aliomar Baleeiro que, ao defender as liberdades democrátic­as, teve o nome incluído no índex da ditadura militar. “Ele foi avisado pelo jornalista Ruy Mesquita que o Jornal da Tarde e o Estado de S. Paulo não poderiam mais publicar seu nome.”

Para o ministro Luís Roberto Barroso, os atos do poder público confundira­m liberdade de expressão com propaganda eleitoral. “Não consideram­os razoável ou legítimo cenas de policiais irrompendo em salas de aula para impedir a realização de palestras ou retirada de faixas que remetem à manifestaç­ão de alunos, cenas como a apreensão de discos rígidos, de computador­es. São atos inequivoca­mente autoritári­os e incompatív­eis com o País que nós conseguimo­s criar felizmente e remetem a um passado que não queremos que volte.”

 ?? NELSON JR./SCO/STF ?? Exemplo. Celso de Mello citou exemplo do jornalista Ruy Mesquita, que dirigiu o ‘Estado’, para condenar a censura e defender a liberdade de expressão
NELSON JR./SCO/STF Exemplo. Celso de Mello citou exemplo do jornalista Ruy Mesquita, que dirigiu o ‘Estado’, para condenar a censura e defender a liberdade de expressão

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