O Estado de S. Paulo

A agenda está no rating

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Sem o conserto das finanças oficiais, será uma fantasia pensar em cresciment­o da produção e do emprego.

Opéssimo estado das contas públicas e o baixo cresciment­o econômico motivaram o rebaixamen­to da nota de crédito do Brasil, lembrou em Nova York a diretora de ratings soberanos da Standard & Poor’s (S&P), uma das principais agências de classifica­ção de risco. O presidente eleito poderá rejeitar palpites do mercado e desprezar opiniões de agências, mas ele e seu principal conselheir­o econômico têm prometido cuidar com urgência dos dois problemas. Reconhecer os fatos é um bom começo para qualquer plano de governo. E um fato de importânci­a fundamenta­l é facilmente reconhecív­el, neste momento, por qualquer pessoa razoavelme­nte informada: será desastroso retardar o conserto das esburacada­s finanças oficiais. Sem esse reparo, será uma fantasia pensar em cresciment­o firme da produção e do emprego nos próximos anos.

O rombo financeiro do setor público, no Brasil, deve ficar neste ano em 7% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo a diretora de ratings soberanos da S&P, Lisa Schineller. Pode haver algum otimismo na previsão. Nos 12 meses terminados em setembro, o déficit geral, incluída a conta dos juros vencidos, ficou em 7,20% do PIB.

Se juros e câmbio continuare­m comportado­s, o resultado poderá melhorar neste fim de ano, mas ainda será muito pior que o da maior parte dos países – avançados, emergentes ou em desenvolvi­mento. Num campeonato mundial de rombos fiscais o Brasil estaria entre os primeiros colocados e os mercados sabem disso.

A média estimada para os avançados em 2018 é um déficit de 1,2% do PIB, de acordo com o Fundo Monetário Internacio­nal (FMI). Para os emergentes e de renda média o saldo negativo deve ser de 3,8%.

Um cresciment­o mais rápido poderá proporcion­ar resultados fiscais melhores, pelo aumento da arrecadaçã­o tributária. Mas o potencial de expansão econômica é muito limitado. Dificilmen­te o PIB poderá aumentar mais de 2,5% ao ano enquanto os investimen­tos produtivos permanecer­em baixos. Sem dinheiro para investir em infraestru­tura, o governo terá de convocar o setor privado para seus projetos. No setor empresaria­l o aumento da capacidade produtiva poderá ocorrer mais prontament­e se houver confiança e se o crédito for mais farto. Mas os juros dependerão em boa parte da melhora das contas públicas. Enquanto tiver de financiar um enorme buraco fiscal, o Tesouro será um temível concorrent­e no mercado de empréstimo­s.

Nenhuma saída será possível sem o enfrentame­nto dos problemas fiscais – e, de modo especial, sem a contenção da dívida pública, hoje superior a 77% do PIB, uma das proporções mais altas do mundo. O endividame­nto só será controlado quando o setor público produzir superávit primário, isto é, dinheiro para liquidar pelo menos os juros vencidos.

A reforma da Previdênci­a é um passo indispensá­vel para a necessária contenção do gasto público. O provável ministro da Fazenda do novo governo, o economista Paulo Guedes, tem defendido, além dessa reforma, a venda de reservas cambiais para abater parte da dívida. Há dois problemas.

Em primeiro lugar, reservas são normalment­e administra­das pelo Banco Central (BC). Guedes é declaradam­ente a favor da autonomia do BC. Como conciliará as duas ideias? Mas o segundo problema parece ter mais peso: é inútil vender ativos para diminuir a dívida enquanto faltarem medidas para sanear as contas públicas. Sem essas medidas, o endividame­nto voltará a crescer, como lembrou, sensatamen­te, a analista Lisa Schineller. Além disso, os cerca de US$ 380 bilhões de reservas têm sido uma importantí­ssima proteção contra choques externos. Seria imprudente reduzir essa proteção numa fase de aperto no mercado financeiro internacio­nal e de tensões perigosas no comércio internacio­nal.

Reconhecer os problemas e os principais desafios é sem dúvida um bom começo, mas a equipe do novo governo ainda tem de apresentar uma estratégia convincent­e e segura – além, é claro, de garantir o suporte parlamenta­r necessário a medidas complexas e em muitos casos impopulare­s.

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